"A Ordem do Dia", de Éric Vuillard ( Ed. D. Quixote), foi Prémio Goncourt em 2017 e li-o ontem, no comboio, entre o Porto e Lisboa, com regresso. Porque o trago à colação? Coincidências. Ontem era "Dia da Europa" e festejava-se, na Rússia, o fim da II Guerra Mundial. Data que já tinha sido assinalada, de véspera, nos restantes países europeus. E o livro fala de datas e factos que a antecederam e regista-os com agudeza, ironia ácida, excelente escrita e... pertinência para os dias de hoje.
E começa por registar, com glosa, uma reunião, em 20/2/1933, dos 24 donos das grandes empresas industriais alemãs ( Krupp, Siemens, Bayer, etc) com Hitler onde estes foram confrontados com uma "pedido-ordem" de financiamento ao Partido Nazi, para fins que me permito "nem citar". Acederam prontamente e dum modo frio que o autor do livro descreve assim:"... não era nada mais que um episódio vulgar na vida dos negócios, uma banal recolha de fundos". Não posso deixar de registar ainda o "naco de prosa" que descreve a atitude daqueles 24, aquando da entrada do "Adolfo" na sala: "os vinte e quatro lagartos soerguem-se nas patas traseiras...".
E vai por aí fora, com outros factos e, sobretudo, actores pusilânimes, que permitiram a ascensão do nazismo e a tragédia que o mundo viveu. E que parece, agora, querer repetir numa "ignorância voluntária" do que se passou e se "vai passando" aqui e ali. Com gente idêntica àquela que foi descrita antes.
Para terminar, mais "ameno", não deixo de registar a frase inicial do livro : "O Sol é um astro frio". Comparável em beleza ao "Bem cedo para mim foi tarde demais" com que Marguerite Duras abre "O Amante".
Fernando Cardoso Rodrigues
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