“Trabalho
com direitos”. É a frase, o cartaz, o clamor que mais frequentemente se lê pelas
paredes e se ouve e lê nos cartazes de qualquer manifestação social. Leu-se e
ouviu-se, destacada e gritada, no último Primeiro de Maio e ouviu-se e leu-se, de
novo, nas manifestações associadas à greve geral de 27 de Junho.
Apesar
de assim banalizado por tão repetido, é necessário dar mais atenção social e
política a este clamor por “trabalho com direitos”.
Com
um milhão e meio de desempregados, não surpreende que se clame por “trabalho”,
por “mais trabalho”.
Mas,
por “direitos”, com tanto direito, tanta legislação do trabalho que tem sido publicada,
pode causar estranheza (re)clamar-se por mais “direitos”.
Todavia,
já assim não é se se reconhecer que, pelo menos na última década, apesar de
“pacotes” e mais “pacotes” de Direito do Trabalho (DT), tem diminuído, e muito,
a garantia de trabalho com direitos. Invertendo o sentido da evolução do DT, desde
há mais de um século, a orientação dessa legislação tem sido a da
desregulamentação no sentido da continuada eliminação ou diminuição de direitos
e, assim, fragilização dos trabalhadores nas relações de trabalho. Quer no
sector privado, quer no sector público. Mas o que interessa de sobremaneira
destacar é que, perversamente, esta profusão (e confusão …) de legislação laboral está a contribuir para induzir
o seu próprio incumprimento.
De facto, nos locais de trabalho (empresas e
administração pública), é crescente a insegurança e o medo. Cá “fora”, está o
desemprego, com cada vez menor apoio social (quase meio milhão de desempregados
não recebe qualquer subsídio de desemprego). Lá “dentro”, os baixos salários, a
precariedade e, por via da desregulamentação que, objectivamente, toda esta mais
recente legislação de trabalho consubstancia, a crescente desprotecção legal. De
que são exemplos (há mais) a facilitação dos despedimentos, a redução das
respectivas indemnizações e a cobertura legal para maior precarização do
trabalho (trabalho a termo, temporário e dito “independente”).
Isso
faz com que, na “penumbra” dos locais de trabalho, as pessoas, sentindo-se
legalmente desprotegidas, não só não exercitem os seus direitos em matéria de
condições de trabalho como nem sequer os reivindiquem perante a entidade
empregadora. Ou, mesmo, se inibam de denunciar às autoridades ou tribunais a
sua violação, complexificando e dificultando a própria acção inspectiva e
judicial.
Esta situação, potenciada pelo escandaloso
nível (crescente) de desemprego e pela difícil situação económica das empresas,
está a criar um “caldo” para práticas de “gestão” em que a desregulação, o incumprimento
da legislação do trabalho (mesmo “flexibilizada”) é entendida como instrumento
de “competitividade” (ou de sobrevivência empresarial).
Afinal,
da “flexibilização” da legislação do trabalho, apresentada e “concertada” politicamente
como meio de “combate ao desemprego”, não tem - é desnecessário recordar as
estatísticas - resultado mais crescimento e emprego.
Tem,
isso sim, resultado eliminação ou diminuição de direitos sociais e, acrescendo
a outros factores (entre os quais predominam insuficiências de qualificação e
ou de ética e ou responsabilidade social das entidades empregadoras), criação
de condições para aumento de maior desregulação, falta de cumprimento da lei no
domínio das relações e condições de trabalho: salários em atraso ou inferiores
aos mínimos legais ou contratuais, não declaração ou subdeclaração de
remunerações à Segurança Social e ao fisco, desregramento da duração e
organização dos tempos de trabalho, más condições de segurança e saúde do
trabalho, clandestinização ou dissimulação das relações de trabalho (como no
caso dos falsos “recibos verdes”), não reconhecimento de direitos associados à
parentalidade, à condição de trabalhador estudante, à actividade sindical, etc..
Mais,
esta crescente desregulação laboral não põe apenas em causa a dignidade das
pessoas que trabalham e o Estado de Direito. Consubstancia também um problema
económico, visto que, como dumping
social que de facto é, constitui concorrência empresarial desleal.
Mais do que nunca, sem dúvida, dado o
escandaloso aumento do desemprego, é pertinente que se clame por “trabalho”. Mas,
pelo que precede, também por “direitos”.
Por isso, repete-se, dados os valores humanos,
sociais e económicos que lhe estão subjacentes, é importante, é premente, que
social e politicamente se dê mais atenção (e acção…) a este clamor por “trabalho
com direitos”.
(Público, 2-7-2013)
João Fraga de Oliveira, Inspector do trabalho (aposentado)
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