domingo, 8 de novembro de 2015

A linha divisória mudou


«Conforme os gostos (mas esquecendo, como sempre, os números da abstenção), os resultados das eleições foram interpretados de 2 formas distintas: 1) 73% dos portugueses querem que PSD, PS e CDS se entendam para formar ou apoiar um governo europeísta (é a posição dos editores da comunicação social e seus comentadores); OU: 2) 63% dos portugueses querem um governo apoiado pela esquerda.

Tal como Pacheco Pereira já sugeriu várias vezes, o que os portugueses disseram, embora difusamente, é que a antiga linha divisória entre os “bons” e os “maus” foi alterada: já não divide os apoiantes da economia de mercado contra os defensores da economia socialista centralizada; não divide os adeptos da democracia parlamentar contra os apoiantes da “ditadura do proletariado” (o eleitorado jovem da esquerda marxista já nem sequer aceita isto). A mudança deu-se porque os “mercados” trataram de amarrar (centralizar) a economia a mecanismos financeiros que a democracia não consegue controlar e que tornaram as populações reféns de um novo regime de pensamento único. A atuação dos mercados e dos seus políticos criou uma nova linha divisória: os que estão a favor da economia dos mercados reais, com mecanismos de apoio social eficazes e uma regulação financeira adequada (que existiu até aos anos 70 do séc. XX), contra os que preferem a economia desregulada e instável dominada por uma ditadura financeira que substituiu a real concorrência (entre quem produz e oferece bens e serviços) por um jogo de póquer sobre mais-valias virtuais.

António Costa colocou-se no cerne de uma jogada muito arriscada ao tentar alterar os termos do debate, porque nem todos os cidadãos se aperceberam desta nova fronteira, embora a sintam no seu dia-a-dia. Será que avançou antes de tempo? Talvez, mas fica com o mérito de ter posto a nu esta mudança estrutural que está a germinar lenta mas profundamente em todo o mundo ocidental. De facto, parece haver duas principais correntes que poderão posicionar-se melhor no campo de batalha nos próximos anos, a começar na Europa: a social democracia restaurada (com apoio da democracia cristã, se esta ainda existir) ou a direita autoritária que cresce (vitoriosa nas próximas eleições presidenciais em França, dominando a Polónia e a Hungria e, escondida, à espreita em Portugal). Os cidadãos é que escolhem, mas é aos políticos que compete propor os caminhos. Uma boa parte dos políticos do PSD (exceto os que agora comandam este partido) e do PS (a maioria das duas “fações” em confronto) deviam conversar sobriamente sobre isto, depois de assentar a poeira da formação do governo. Os caminhos para sair da abstenção (45%!) ou serão abertos por esta corrente, ou pela direita autoritária que, extremista, cresce ao virar da esquina em Portugal (ainda envergonhada) e na Europa (às claras). Quem atrair os abstencionistas decidirá o futuro dos povos europeus.»


Luis Taylor, Porto

1 comentário:

  1. Aqui está um boa análise aos tempos estranhos e perigosos que estamos a viver. Contudo não vejo qualquer mérito na movimentação do António Costa. Teria mérito, isso sim, se tivesse ganho as eleições como pretendia quando deu o golpe no António José Seguro. Assim, como perdeu (e por muito) entendo que esta jogada não passa de mais uma golpada para se manter na cadeira do poder. Ele não pôs a nu nada, limita-se a ter ficado despido e agora anda a negociar uns trapos para tapar as suas vergonhas.

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