Dos
moços de collants e jaquetas às
flores, unidos a abraçarem o touro – alguns estão mesmo emocionados, encostam
as suas cabeças e beijam-no.
Dos rapazes montados nas mulas quase tão espertas
como os cavalos - aos pinotes e piruetas - eles com chapéus de plumas ao vento,
e majestáticas camisas de seda com folhos brancos.
Dos paus com que eles
brincam com os animais a fingir que espetam, mas não, embrulhadas ( as canas)
em papelotes coloridos e com finos arpões de borracha – a fazer de metal - na
ponta.
Dos outros rapazes, igualmente de collants a sacudirem freneticamente
uma espécie de tapete a atirar para o rosa, em frente do touro.
Das
filarmónicas que tocam músicas que entram no ouvido, fáceis de trautear.
Do senhor
da corneta, sempre de luvas alvas (queimou as mãos quando entornou a panela de sopa
de rabo de boi que estava a fazer), com uma gravata preta, apertada, em
esforços de contenção das banhas do pescoço, ou do esforçado sopro no bocal da
gaita.
E gosto especial e particularmente do
sangue (há o sangue!) a jorrar da lombada do animal, sadio e muito, a apimentar
em colorido vivo, a celebração da vida, da festa rija.
Vejo todos os toiros que aparecem na
televisão de serviço público – e os toiros das outras também. Vejo-os eu e a
minha Constança, de quatro anos (que ainda fecha os olhos, mas eu obrigo-a a ver)
e o meu Salvador de sete, aficionados na tradição e nos valores da nossa
cultura, que é essa a missão dos pais: transmitir humanidade aos filhos.
Gosto muito desse espectáculo, mas também
gosto das lutas de cães, e não percebo porque a televisão do serviço público,
não passa essa arte ancestral em horário nobre. Concordo que as fatiotas dos
artistas não são tão exuberantes e o público que assiste das bancadas não atira
propriamente flores para a arena, mas ainda assim tem o seu colorido.
E gosto das lutas de galos, dos homicídios
em massa, das decapitações (que lindas que são as decapitações!).
E
porque nenhum desses jogos tradicionais passam nos horários nobres (repito e insisto), a não ser
em pequenos apontamentos de reportagem nos noticiários?
Estas tradições devem ser preservadas,
porque elas são a nossa essência, a nossa marca. Sem tradições perdemos os
valores que nos guiam e sem estes ficamos desnorteados, mais bestas e menos
humanos.
Acho que devíamos fazer uma petição a favor
dos pitbull na tv ( e aproveitando,
das lutas de ursos acorrentados, descarnados das garras, contra uma matilha de cães
raivosos).
Dou os “meus oito tostões” pelo folclore! Só
uma boa luta na lama com raparigas desnudas, supera o meu prazer pelas
touradas, e o meu Salvador acha o mesmo.
A
Constança, sai mais à mãe, acha-as sujas. Já não vive - aos quatro anos- sem a
unha envernizada e a pele devidamente hidratada, com um bom creme de óleo de
foca morta à traulitada (mas tem que ser à paulada, para serem apanhadas
desprevenidas e não libertarem endorfinas, que deita cheiro na gordura e
estraga os cremes).
Enfim lá chegará a sua hora da apreciar as
coisas boas da vida, as soirées no
Campo Pequeno, as arenas da Cova da Moura, as piscinas de lama da discoteca Babe, na Quinta da Marinha.
E nesses momentos de adulta recordar-se-á
de seu velho pai, pensando: “o pai era o pilar, a fundação. Foi o pai que nos
legou a cultura e os costumes antigos”.
O pai e a RTP, nos tempos em que existia serviço público de televisão.