Posso estar enganado, mas o maior mediatismo de Ricardo Salgado em relação a Guilherme de Oliveira Martins parece ter feito passar despercebida a divisão do Tribunal de Contas em TdC Bom e TdC Mau.
Em menos de uma semana, dois pareceres elaborados na Av. da República alfacinha, que considero de grande importância, foram divulgados pela comunicação social. Por mim, seriam classificados como um activo bom e um activo tóxico. Saliento que a classificação seria dada conforme a informação divulgada pelos media, e não pela leitura dos respectivos pareceres, que não tive oportunidade de ler (estando, obviamente, sujeito a uma possível interpretação incorrecta).
Começando pelo mais desagradável, o Tribunal de Contas veio sugerir como medida mitigadora do número de portugueses sem médico de família a implementação de um limite de tempo para cada consulta, até um máximo de quinze minutos. Desse modo, poderiam atender mais pacientes. Eu considero esta sugestão totalmente absurda. É o mesmo que propor diminuir as listas de espera das cirurgias impondo um limite de três horas para cada operação. Esta medida vai proporcionar o aumento exponencial como a situação que vivi na minha adolescência: fui diagnosticado, num Centro de Saúde, com uma amigdalite, nove anos depois de as ter removido. Eu não quero ter outro familiar, queixando-se de dores na barriga, a ser enviado para casa diagnosticado com gases, tendo que voltar no dia seguinte para lhe ser diagnosticada uma apendicite. Uma consulta não pode ser definida por uma ampulheta. Uma consulta pode demorar menos de cinco minutos, se se cingir apenas à análise dos resultados de umas análises clínicas e estas trouxerem boas notícias. Mas quinze minutos serão manifestamente insuficientes se o paciente relatar ao médico que tem que optar entre a dezena de fármacos receitados por não ter recursos para os comprar todos, ou que tem que optar entre comer e medicar-se. Ou poderão também ser insuficientes para o médico perceber se os fungos nos pés do paciente têm origem no calçado, no trabalho na horta ou na falta de higiene das instalações sanitárias que utiliza. E a questão não são quinze minutos em vez de uma ou duas horas de consulta. As consultas têm que levar o tempo necessário. Nem mais, nem menos. E isso é função dos médicos garantir que é praticado. Não é essa medida que, creio, faz parte das funções atribuídas ao Tribunal de Contas, uma vez que até nem levariam a uma redução da despesa pública, sendo o número de médicos exactamente o mesmo. Já seria da competência do Tribunal de Contas referir que a falta de médicos poderia ser suprida se se impedisse que os "sôtores" recebessem salário por horas em instalações públicas quando estavam a trabalhar em clínicas privadas ou nos seus consultórios. Com evidentes benefícios para o orçamento do Ministério da Saúde.
Já o Tribunal de Contas Bom teve a sua primeira aparição criticando a falta de sustentabilidade das contas da Segurança Social, justificando, e bem, com a ausência de medidas que garantam, agora e a prazo, os recursos necessários para desempenhar as funções para as quais foi criada. Aumentar a Taxa Social Única, reduzir e taxar pensões e subsídios e diminuir a duração de atribuição destes últimos são medidas avulsas e de retalho que não resolvem a propalada insustentabilidade. São medidas ao nível do crescimento do emprego (e de melhoria do emprego), de promoção de hábitos mais saudáveis (tanto a nível físico como mental) e da natalidade que irão afastar o fantasma da falência da Previdência.
Ainda neste campo, é abordada pelo Tribunal de Contas (Bom) a exposição da Segurança Social à dívida pública portuguesa. E também aqui há uma evidente semelhança com o caso Espírito Santo. Vítor Gaspar, enquanto Ministro das Finanças, deu orientações à Segurança Social para comprar dívida pública portuguesa. Qual é a diferença desta medida para as dívidas assumidas pelas empresas do Grupo Espírito Santo perante o BES, através de ordens de Ricardo Salgado e restantes administradores? A função da Segurança Social não é financiar a economia nacional nem emprestar dinheiro ao Estado. É garantir protecção social de forma equitativa e um fim de vida digno a quem passou uma vida a trabalhar.
Faltará agora saber que belos trabalhos de marketing surgirão para dar nome a estas novas duas entidades. E quais os detalhes da divisão. Quanto aos activos, parece-me que os subscritores destes pareceres deram já uma boa ajuda.
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