Não sei se muitos se terão
apercebido dos perturbadores resultados de um estudo que a Universidade da
Virgínia divulgou no princípio deste mês na revista Science, sobre as
dificuldades crescentes que os seres humanos têm em estar sozinhos e em
utilizar esse tempo de “solidão” para pensar.
O estudo que envolveu cerca de
200 voluntários, consistia apenas em
estar 15 minutos sozinho num quarto, a
pensar. Os cientistas observaram o seu comportamento durante esses 15 minutos e
os resultados são verdadeiramente perturbadores e preocupantes.
“Os pesquisadores pediram que se
sentassem sozinhos em um quarto sem adornos, sem telefone celular, material
para leitura, ou para escrever, e depois que relatassem como fizeram para se
entreter sozinhos com seus pensamentos entre 6 e 15 minutos.
O resultado foi que mais de 57%
acharam difícil se concentrar, e 80% disseram que seus pensamentos vagaram.
Cerca da metade achou a experiência desagradável. "A maioria das pessoas
não gosta de 'só pensar' e prefere claramente ter algo diferente para
fazer".
Como se isto não bastasse para me
deixar preocupada, os cientistas não ficaram por aí e tentaram perceber o que
os voluntários seriam capazes e fazer para evitar pensar e aí confesso que
passo da preocupação para a estupefacção e para uma apreensão profunda.
Atentem no que os investigadores “inventaram”
: submeteram as cobaias a um choque eléctrico “moderado” e a quase totalidade
das pessoas submetidos a ele, afirmaram que preferiam pagar do que voltar a receber
um choque semelhante. Após essa experiência foram colocados no quarto para “pensarem
durante 15 minutos”.
No quarto foi colocado também o equipamento de choques
eléctricos e foi-lhes dito que poderiam utilizá-lo sempre que quisessem, sendo
certo que todos teriam dito que aquela “dor, nunca mais”.
Resultado, “Dois terços dos
indivíduos masculinos - 12 de 18 - deram choques em si próprios pelo menos uma
vez enquanto estiveram sozinhos. A maioria dos homens deu entre um e quatro
choques em si próprios. Um deles deu 190 choques.
Um quarto das mulheres, ou seis
em 24, também decidiu dar choques em si mesmas, cada uma delas entre uma e nove
vezes. Todos os que se deram choques haviam dito anteriormente que pagariam
para evitar fazê-lo.” ( fonte no final do
artigo )
Os resultados deste estudo, que
nos dizem claramente que as pessoas preferem auto-punir-se do que pensar,
obriga-nos necessariamente a analisar o paradigma societal em que vivemos e com
alguma facilidade chegamos à conclusão que o acto de pensar , não só é
socialmente desvalorizado, como estamos a ser “formatados” para actuar / reagir
e não para agir/pensar .
Para reagir não necessitamos
pensar, é instintivo, primário, reactivo – desde que exista um estímulo
exterior, o individuo reage a esse estímulo – nada mais simples, portanto. Já o
agir, implica reflexão, interiorização, sentir, comparar, decidir…uma
trabalheira, convenhamos ( desculpem-me a ironia ).
A propósito dos resultados deste
estudos, fui procurar reacções de especialistas do comportamento e “choquei “
com uma entrevista que foi feita ao professor Júlio Machado Vaz, precisamente
sobre este estudo e fiquei bem mais tranquila, por um lado, porque não estou
sozinha nas minhas preocupações e por outro, mais apreensiva, porque os meus
piores receios estão todos ali, preto no branco.
Trocando a coisa por miúdos, o
que ele nos diz é que “ se a nossa ambição é apenas sobreviver, pensar no
sentido nobre da palavra não é propriamente uma prioridade.”
E quão forte é esta afirmação…um
autêntico soco no estômago.
Afinal, andamos aqui a fazer o
quê?
Como podemos ambicionar cidadãos
interventivos, com argumentos, opiniões, propostas…se não cultivarem a “arte de
pensar”?
Mas intrigante que isso, é
questionar porque é que isso acontece e é fomentado ?
Como e porque chegamos a este
estado de anémonas super competentes em imensas coisas ( a maioria delas
irrelevantes, mas que ocupam o tempo e “evitam que a pessoa se ocupe em pensar/
questionar” ), mas completamente ignorantes no sentir e no pensar, actos que
durante séculos foram a marca distintiva do ser humano em relação aos “outros
bichos” ?
Machado Vaz faz uma avaliação
curiosa e com a qual concordo, ao afirmar que o Poder está com os que agem e
não com os que se questionam acerca da vida, do mundo e de si mesmos. Com a
clarividência e acutilância que lhe é reconhecida afirma sem reservas que
vivemos numa sociedade em que “se uma pessoa não é “proactiva” está tramada.
Resultado : tornámo-nos numa sociedade de superespecialistas: sabemos cada vez
mais sobre cada vez menos”.
E é aqui, é precisamente aqui,
que “ a porca torce o rabo”.
O professor Machado Vaz, como
médico que é, faz uma leitura interessante deste estudo, mas é centrada
sobretudo no individuo.
A mim, interessa-me mais as
repercussões deste estudo, no animal social que somos e na forma como nos
relacionamos.
Mais, preocupa-me o tipo de
sociedade que estamos a criar quando estamos a tornar-nos incapazes de viver
sem estarmos constantemente a ser “espicaçados “por estímulos exteriores”, que
são cuidadosamente desenvolvidos para nos formatar.
A excessiva dependência da
Internet, das redes sociais, dos telemóveis ( que parecem uma extensão do corpo
e sem o qual muitas pessoas se sentem , literalmente “amputadas” ), não é
apenas um sinal dos tempos – é sobretudo um sinal desta forma de (sobre)viver.
Bebemos múltiplos estímulos do exterior e construímos a nossa identidade de
fora para dentro e não o contrario. O “conhece-te a ti próprio” deixou de fazer
sentido e isso é profundamente assustador.
Adoptam-se, artificialmente, “conceitos
e boas intenções” que não se vivem nem se tem a menor intenção de viver, mas
que nos fazem parecer mais “humanos” e sobretudo mais “sensíveis”. Contudo a
superficialidade é tão evidente ( copy-paste ), que facilmente se percebe a
falta de solidez interna dos mesmos.~
Lavagem cerebral tão subtil esta
dos novos tempos, em que somos afogados em informação que não temos capacidade
de digerir mas que engolimos como se a nossa vida dependesse da quantidade de
coisas que armazenamos na nossa cabeça, mesmo que sejam arrumadas de forma
desconexa e totalmente desordenada.
Mas a “culpa “ vem toda de fora ?
Não pensamos, porque não temos
tempo? Porque a vida é muito acelerada?
Não me parece…
Não pensamos, porque pensar
implica sentir, questionar quem somos e o que queremos da vida. Implica gerir
os nossos medos , ansiedades e desejos. Confrontarmo-nos com os nossos
fantasmas é uma forma de crescer e evoluir como ser humano, mas dá trabalho e é
muitas vezes, profundamente doloroso.
Quem resiste e persiste em
continuar a viver e não apenas em sobreviver percebe o que quero dizer – é que
um choque eléctrico, dói na altura, mas até distrai o pensamento e passa de
seguida.
As dores do crescimento do EU são profundas,
marcantes, de longa duração, implicam que nos olhemos nos olhos, para dentro de
nós e nos questionemos diariamente sobre o que somos, o que queremos ser e o
que andamos aqui a fazer.
No final do processo, se lá
chegarmos, seremos certamente Pessoas, melhores Pessoas , mas não sei se isso interessa nem aos Poderes
instituídos, nem à maioria das pessoas que cruzam a nossa vida.
Afinal , este estudo, que
obviamente vale o que vale e até admito que para alguns não valha nada, demonstra
com clareza que vivemos num mundo em que a máxima parece ser - ANTES DOER QUE PENSAR.
Assustador…pelo menos para mim,
que preciso dos meus momentos de solidão como do ar que respiro.
Pensem nisto…vão ver que não dói
nada!
Graça Costa
Nota : os dados estatísticos relativos ao estudo foram
retirados da fonte : ( fonte http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/07/estudo-mostra-que-pessoas-preferem-se-autopunir-ter-que-pensar.html
Tema bastante interessante e com questões cada vez mais pertinentes.
ResponderEliminarAssusta-me imaginar como será o futuro com cada vez mais seres NÃO PENSANTES na verdadeira acepção da palavra...
Obrigado pela partilha!
Tema bastante interessante e com questões cada vez mais pertinentes.
ResponderEliminarAssusta-me imaginar como será o futuro com cada vez mais seres NÃO PENSANTES na verdadeira acepção da palavra...
Obrigado pela partilha!
Para ser sincero, há dias em que gosto de estar sozinho só a ''pensar''.
ResponderEliminarEm certas ocasiões ajuda-me a encontrar a solução para os meus problemas ou até para os meus projectos.
Mas também tenho dias em que pensar ''para os meus botões'' é algo que não gosto e evito, mas estes são até poucos comparados com os dias em que estou sozinho a pensar.