Sua Eminência, o Dr. Núncio, teve uma noite atribulada,
entre sonhos de difícil compreensão e entendimento.
Entremearam-se duas cenas, aparentemente sem sentido nem
ligação: numa, um indivíduo de cabelo encaracolado, com ar de bandido de
subúrbio, reclamava inocência, com uma nota de vinte euros na mão ( como se vê
na fotografia que abriu os jornais da manhã), enquanto era chicoteado pelas
forças da autoridade tributária. Uma investigação apurada que mobilizou cinco
funcionários das Finanças, nos últimos dois anos, pôs a descoberto a fraude
deste cidadão: uma coima não paga de um
veículo motorizado de sua pertença – mais precisamente duas rodas - , datada de
2012 e da qual não ressarciu o Estado.
Na outra cena, um individuo, já a caminhar para a terceira
idade, no entanto com um ar fino, aparece a limpar o pó, da sua colecção de
ovos Fabergé*, com um espanador, depois
de ter passado o pano de camurça das cabras da Mongólia (as mais raras), pelo
seu Bentley vintage.
O que mais atormentou o sono do Núncio foi o ar terrífico,
maléfico, de impostor encartado , do primeiro personagem do seu sonho. Do
segundo, guarda a sensação de já o ter visto algures, parecendo-lhe um cidadão
exemplar.
Saiu de casa mal tocando na torrada com manteiga, e chegado
à Secretaria telefona de imediato ao Director dos Impostos, que tarda em
atender porque estava ainda a lavar os dentes.
-Está? Dr. Brigas? Fala Núncio.
- Oh Senhor Secretário, é um gosto ouvi-lo a estas horas. Em
que posso ser útil?
- Como vão as coisas na ATA?
- Muito trabalho senhor Secretário, muito trabalho. Isto é
um país de malfeitores, todos a fugir às suas responsabilidades. -Acabámos agora
mesmo de apanhar o Robalo. Dois anos de labuta, que ele é dos espertos. –Mas conseguimos:
depois de umas chicotadas valentes, acabou por confessar que se tinha esquecido
de pagar a coima de vinte euros de há dois anos atrás. – Como se alguém se
pudesse esquecer de pagar uma coima destas, ou de declarar nos impostos!
- Oh homem vocé não me diga que eu tenho percepções extra sensoriais!
- Tem o quê, senhor Secretário?
- Esqueça lá oh Brigas, foi um desabafo. Envio-lhe um abraço
pelo excelente trabalho e já sabe quando acabar essa comissão, é só dizer.
Neste momento temos em aberto a Santa Casa e a Comissão, a Europeia. É o que lhe der mais
jeito.
-Obrigado senhor Secretário, apesar deste ordenado curto,
estou aqui pela coisa pública e não saio enquanto não os apanhar a todos.
- Faz bem Brigas, faz vocé muito bem.- Olhe lá antes de lhe
desejar umas santas férias, por acaso não conhece um cidadão, homem de traço
fino – vê-se que de boas famílias – com uma colecção de ovos Fabergé* e um Bentley Vintage?
- Assim de repente, que eu esteja a ver, não conheço nenhum
cidadão com bens desse tipo declarados ou por declarar. Se houvesse os meus
agentes já o teriam descoberto.
- Passe bem Brigas, ainda há de ser medalhado pelo nosso
Presidente!
Mais descansado, Núncio abre o jornal da manhã pousado
sobre a secretária e aparece-lhe a cara do tal senhor de boas famílias. Conta a notícia a história de uma pessoa de
bem que está agora a passar um mau momento. Nem casa em nome próprio tem.
Deus por vezes é
injusto! Pensou Núncio com os seus botões. Homens sérios como este sofrem a desdita, enquanto os meliantes do
Rendimento Social de Inserção, andam por aí, como vermes, a sugar o Estado!
*são obras-primas da joalharia
produzidas por Peter Carl Fabergé e seus assistentes no
período de 1885
a 1917
para os czares
da Rússia.
Os ovos, cuidadosamente elaborados com uma combinação de esmalte, metais e
pedras preciosas, escondiam surpresas e miniaturas encomendados e oferecidos na
Páscoa
entre os membros da família imperial. Disputados por colecionadores em todo o
mundo, os famosos ovos de Páscoa criados pelo joalheiro russo são
admirados pela perfeição e considerados expoentes da arte joalheira
In Wikipedia
Caro Amigo Robalo
ResponderEliminarNunca lhe falte a inspiração, porque num momento, como o que estamos a viver em Portugal e noutras partes do mundo, ela tão necessária como o bom senso. Tirar alguns ensinamentos dos prejuízos que nos cercam é uma capacidade que não está ao alcance de muitos. Parabéns e receba um abraço lusitano.
Um abraço para si também. Obrigado!
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