sexta-feira, 29 de agosto de 2014

As festas da minha aldeia






Agosto é o melhor mês do ano.

Gosto de todos, mas este, para mim, é o mais bonito dos nomes com que baptizámos as fatias do tempo.

Agosto é o mês dos campos posto em sossego, da família que nos visita, das festas em honra da nossa padroeira.

O Farrusco e eu andamos desvairados nos preparativos das festas da aldeia. O Farrusco é cão, mas é o meu familiar mais próximo. Os outros estão lá fora (porque raio se diz lá fora?), e é por essa razão que a comissão organizadora das festas da minha aldeia só tem dois elementos.

Não há mais habitantes, e com os fantasmas não se conta, que eles para mexerem um dedo, está quieto! Só estorvam.

É uma trabalheira doida, só uma pessoa e outra que é metade de pessoa, mas a vontade é muita e somos profissionais nos festejos, sentimentais portanto.

Este casario é mais um lugarejo acanhado do que uma aldeia, mas tem igreja e escola, o que é fundamental para a sua dignidade de aldeia, apesar de não terem uso.

Como somos poucos, o farrusco e eu – mas precavidos - antes de pôr mão na obra, discutimos longamente em sede de assembleia, a estratégia do alindamento dos exteriores, o alinhamento das cerimónias religiosas e a contratação dos artistas, tudo com tempo, haja necessidade de rectificativos de última hora antes da chegada dos convidados.

Decidiu-se que no que respeita aos confetis para engalanar a rua principal, eu penduro-os e o farrusco lambe a cola (tem andando com um olhar vago nos últimos dias, mas não deve ser nada!)

Quanto às roupinhas da santa, está tudo controlado. Ela não é de grandes exigências, pelo que vai com o manto rosa pálido das últimas vinte e três procissões. Não estamos em tempos de esbanjamentos. Limpinha e honrada, o povo aceita.

Como estamos parcos no orçamento, as despesas sempre maiores que as receitas - soubesse eu escrever números num papel e dava a volta à coisa, mas assim de cabeça é natural que falhe - este ano não temos banda para o bailarico.

Não há problema: o António dos CTT ajeita-se na concertina e faz o concerto de graça (nunca é de graça porque ele tem muitas securas e desforra-se na aguardente).

Tenho por aí um bode velho, é um cabrão de um bode – deus me perdoe – que está destinado às bifanas. Tivesse sido simpático que assistia aos festejos, assim vai fazer parte dos festejos fatiado no pão.

E acho que está tudo tratado. Estamos prontos para receber as nossas famílias.

Espero que venham a caminho.

O farrusco parece mais nervoso que eu (e ainda por cima com a língua colada no palato.

Tenho quatro foguetes guardados da última festa (vai para três anos), que estavam cheios de verdete, humidades acumuladas na loja de estarem ao lado das batatas. Pus ao sol ontem, pode ser que sequem.

Amanhã, quando os meus chegarem, vão ser recebidos a foguetório com o meu assistente a uivar, raio do cão, se fosse aos concursos, podia ter sido cantor!

Será que eles vêm?

Puta de vida esta, que os obrigou a partir!

9 comentários:

  1. Mas que maravilha de quadro de Aldeia, em Agosto! Uma caricatura emoldurada em beleza. Parabéns!

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  2. Um retrato do nosso País. Ei-los que partiram, virão ou não. E ainda há forças para ir tendo esperança que as nossas aldeias vivam.

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  3. O Público ainda tem um critério de selecção que merece o nosso respeito. Contrariamente, o DN, com cortes inconcebíveis, insere parte do que escrevemos, nalguns casos sem o fulcro da mensagem, pelo o que vou deixar de lhe enviar qualquer escrito. Estamos todos de parabéns pela inserção da sua crónica no Público de hoje, logo ao domingo, dia santo, porque pode ser lido também na praia.

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    1. Exactamente!! Leram o texto referente `as Cartas à Directora (Público) na página do PROVEDOR?

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  4. Agradeço as vossas palavras. Os parabéns são de todos nós que insistimos, e bem, em fazer intervenção cívica -que lá se vai publicando -, fazendo chegar o nosso pensamento a outras pessoas, animando-as talvez a também dizerem em público o que pensam e como pensam o mundo.

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