Os amigos do polvo
Jean-Paul Marat (1753-1793), uma
figura carismática da Revolução Francesa (1789) que se intitulava “o amigo do
povo”, demonstrava essa amizade na defesa dos sans-culottes, por
vezes de forma bastante visível e virulenta, contra as classes possidentes.
Redactor do jornal “L’Ami du
peuple” e membro activo do Clube dos Franciscanos, médico de profissão e,
por opção, advogado dos interesses
populares. O período revolucionário obrigou-o ao exílio por duas vezes e acabou assassinado
pela sua amante Charlotte Corday.
No nosso país, de há uns anos a esta parte,
uma plêiade de indivíduos, de forma muito sofisticada, vem tramando uma luta
contrária à de Marat, que parafraseamos, para os designar por “Os amigos do
polvo”. Como podemos constatar, este “amigo do povo”, talvez até pelo seu
objectivo, só o deixaram viver 4 anos com a revolução. “Os amigos do polvo”
subsistem por espaços temporais mais alargados, porque têm uma protecção mais
eficiente.
Consumada a nossa revolução,
passado o período de efervescência que terminou ou foi domado no 25 de Novembro
de 1975, instalado o regime democrático através da Constituição de 1976, julgávamos
nós, os bem-intencionados, que estávamos no caminho do direito, da justiça, da
ética e do respeito pela igualdade de oportunidades entre os cidadãos.
Hoje verificamos que não foi
exactamente assim. Enquanto uns contribuíam para construir uma pátria maior,
outros, tal como as toupeiras, iam subterraneamente minando os alicerces da
nação, paulatinamente organizando esquemas aparentemente legais, mas
impregnados do veneno da ratice e da roubalheira, para remeter para seu
benefício a maior parte possível da riqueza da nação. Depois de se aperceberem
bem como funcionava a república, colocaram os seus aríetes nos lugares de
decisão, dando a estes, também, umas alargadas migalhas, para que daí
resultasse as maiores benesses para os seus membros, quer individual, quer em
grupo. O polvo orientou-se para retirar, em seu proveito, o máximo das finanças
e da economia da nação. Essa ganância famélica durou décadas, mas acabou por ser
divulgada, quando alguns escândalos rebentaram, ainda que a conta-gotas, sempre
travados por uma legislação pouco ágil e polvilhada de alçapões.
Ainda o novelo das diversas operações
não foi totalmente desenrolado e mal se pegou nele, por difícil, porque tem uma
abrangência muito alargada e, eventualmente, poderosa a diversos níveis, já
estão em funcionamento novas formas de manipulação dos serviços públicos,
passando, para empresas fornecedoras de serviços, as tarefas que, até há algum
tempo, eram desempenhadas por funcionários pertencentes aos quadros da
administração. Na educação, na saúde, na segurança e em muitas entidades que
coordenam ou dirigem serviços estruturais da administração, para enganar não
sei quem, retiram-se verbas na rubrica do pessoal e aumenta-se a da compra de
serviços. Damos um exemplo que pode ser alargado, nas devidas especificidades,
a outros serviços públicos; nalguns hospitais, médicos, enfermeiros e funcionários
de apoio, segurança, e limpeza, têm por entidades patronais empresas
contratadas, fazendo deste modo descer a rubrica de encargos com o pessoal. O
polvo sabe adaptar-se para continuar na sua senda.
25.11.2013 Joaquim Carreira Tapadinhas – Montijo
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