Santana-Maia Leonardo - Público de 4-11-2013
As câmaras municipais são a célula cancerígena do nosso sistema político. Se não conseguirmos perceber isto, nunca conseguiremos, com sucesso, alterar o nosso modelo de desenvolvimento, reformar as mentalidades, o nosso sistema político e a nossa administração pública, combater a corrupção e o compadrio e tornarmo-nos num verdadeiro Estado de Direito. O poder autárquico é a base da pirâmide que sustenta toda a estrutura do poder político partidário e o modelo macrocéfalo de desenvolvimento do País.
Acresce que os municípios reproduzem, em ponto pequeno, o modelo macrocéfalo de desenvolvimento do País, onde a capital (sede do concelho) impera e esvazia todo o território. Por outro lado, a competição desenfreada entre municípios vizinhos, para além de levar as câmaras a consumir recursos em excesso (há cada vez mais localidades com equipamentos de luxo sem gente sequer para os utilizar), leva inevitavelmente a que os municípios maiores acabem por engolir os mais pequenos, levando à desertificação do território, num processo irreversível de concentração de população na região de Lisboa e na faixa litoral circundante. Não há modelo que melhor sirva o poder de Lisboa do que a divisão do território em pequenos municípios que se digladiam entre si para conseguir ganhar um lugar à mesa do Orçamento de Estado.
À excepção de Lisboa, Porto e pouco mais, a esmagadora maioria dos municípios têm tamanho paroquial, o que leva necessariamente ao caciquismo. O senhor presidente da câmara paira sobre todas as actividades do município, por mais insignificativas que sejam. E, à semelhança do senhor prior que leva a bênção a casa dos seus paroquiantes, o senhor presidente leva o chequezinho a casa dos fiéis, para a obra, o almoço da colectividade, a viagem ao estrangeiro, o concurso de pesca ou o campeonato de sueca. Não há nada que aconteça na paróquia que dispense a sua presença e aqueles que não ajoelham à sua passagem são olhados como hereges e literalmente perseguidos.
E quem olhar para um orçamento de uma autarquia não pode deixar de se arrepiar pela forma como é gasto o nosso dinheiro. Se se reduzisse os executivos camarários a um por distrito, Portugal só tinha a ganhar.
Em primeiro lugar, as terras ficariam com os serviços municipais libertos da tutela do poder político. Ou seja, por um lado, os serviços da autarquia passariam a servir os munícipes, em vez de se destinarem a colocar os afilhados do senhor presidente e, por outro, os funcionários passariam a depender de concursos nacionais e não dos favores do presidente da câmara.
Em segundo lugar, poupar-se-ia mais de metade do orçamento das câmaras que é gasto, literalmente, a sustentar o poder político e a garantir a sua reeleição, ou seja, a alimentar os do partido, os afilhados e a chusma de associações, fundações, institutos e organizações por onde eles se reproduzem e que são sustentadas por dinheiro público.
Em terceiro lugar, a sociedade civil podia respirar livremente, sem ter de andar sempre a esbarrar no senhor presidente, o que a obrigaria a ter vida própria, deixando de depender dos subsidiozinhos e dos favores do senhor presidente.
Em quarto lugar, a dimensão distrital e o maior distanciamento em relação ao senhor presidente, faria não só que a qualidade dos candidatos aumentasse como também que os munícipes preferissem eleger um presidente competente e sério. Com efeito, quando os municípios têm o tamanho paroquial, as pessoas escolhem é o amigalhaço que lhes garanta o emprego dos filhos e os desenrasque, levando a que o Estado de Direito seja diariamente violado, sob pena de o senhor presidente perder os amigos e os votos.
Em quinto lugar, um executivo distrital permitia: um melhor aproveitamento dos recursos e um melhor planeamento; dar peso, unidade e voz ao distrito; e ocupar uniformemente o território nacional, colocando todos os distritos em pé de igualdade e, assim, combater a desertificação do território.
Em sexto lugar, as tensões que se estabeleceriam necessariamente entre as cidades do distrito faria com que fosse necessário estabelecer pontes não só entre as diferentes cidades como entre os diferentes partidos, o que seria benéfico para a qualidade da democracia, a liberdade de expressão e de opinião e a repartição de poderes dentro do próprio distrito. Um dos nossos grandes problemas é precisamente o excesso de individualismo e a nossa incapacidade de nos associarmos num objectivo comum. Nos nossos pequenos municípios, o partido que manda na câmara manda em tudo. Enquanto se o executivo fosse distrital, os interesses, por exemplo, do PS de Santarém seriam conflituantes com os do PS de Torres Novas, de Tomar e de Abrantes. E isso seria benéfico porque obrigaria e ajudaria a criar uma cultura de compromisso que é precisamente o que nos falta.
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