Estreio-me nestas andanças, porque assim ditou o nosso 3º
encontro de escritores-leitores de domingo último, no acolhedor espaço UNICEPE,
no Porto.
I
Da importância da investigação para a vida quotidiana.
Embora não seja um académico no sentido clássico da palavra,
vou levando as minhas questões de investigação para artigos e livros,
congressos e outros contextos em que me proponho a apresentar algumas destas
reflexões do exercício da cidadania nos média. Muitas vezes, os académicos mais
instalados nas Universidades sofrem de um problema já recorrentemente
assinalado: falam em circuito fechado, para elites bem posicionadas,
embrenhados numa linguagem altamente elaborada, distante, amorfa, que, no caso
das Ciências da Comunicação, protagonizam questões que seriam de todo o
interesse para o cidadão comum, mas que ele próprio teria extrema dificuldade
de interpretar se lesse um artigo científico, por exemplo. Por isso, cada vez mais
vejo com interesse espaços onde académicos e investigadores se encontram com
pessoas que, não raras vezes, nem percebem bem por que se estuda uma ou outra
realidade social. Mas quando se lhes explica, absorvem. Perguntam, colocam em
causa, tomam notas. E isso é reconfortante.
II
Da confusão de conceitos.
Fiquei incomodado com algumas expressões que foram
utilizadas no encontro, a partir de uma certa banalização que me parece
preocupante. Não, não é verdade que sejamos todos jornalistas. Os leitores dos
jornais não são jornalistas. Mesmo aqueles que para lá escrevem. São cidadãos
que, ao contribuírem para um jornal, não o deixam de o ser. Mesmo com o
fenomenal exemplo do leitor – que agora me escapa o nome, mas que lhe recordo
as feições – que disse que, em tempos idos, chegou a ser praticamente um correspondente
local de Ovar para um certo jornal, é importante não fazer confusões. Ele podia
reportar muito bem sobre aquela localidade, mas em tempo algum foi jornalista. Não
façamos qualquer confusão de fronteiras, insisto. Para se ser jornalista é
preciso ter carteira profissional, dir-se-ia logo à partida.
O sr. Dinis lembrou, a propósito de uma declaração
reproduzida de Carlos Magno, Presidente da ERC, que o “jornalismo do cidadão é
uma treta”. São considerações iníquas e de um velho do Restelismo a toda a
prova. Não discuto o adjetivo que ele utilizou, discuto sim, o valor do que é o
“jornalismo do cidadão”. Estou frontalmente contra esta expressão.
Frontalmente. Embora o passado e o presente nos ajudem a perceber o que a
expressão sugere, com aqueles vídeos e fotografias de catástrofes que são
enviados para as televisões quando algum cataclismo natural acontece, o cidadão
comum não pode ser jornalista: não foi treinado para observar os factos com
rigor, não domina a linguagem do meio, nem os preceitos básicos da profissão.
O Prof. Adelino Gomes, figura incontornável do nosso quadro
mediático, disse algo que me ficará para sempre na memória, justamente sobre o
suposto “jornalismo de cidadão”. Foi durante uma conferência, em 2009. Dizia
ele manifestamente empertigado: “se somos todos cidadãos-jornalistas, por que
não discutimos também o conceito de cidadão-pasteleiro? Ou de cidadão-médico?”
Isto a propósito das fronteiras profissionais e das competências para exercer
um ofício.
Do que falamos aqui é de “contributos dos cidadãos para o
jornalismo”. Tal como acontece com as cartas. São opiniões e contributos para o
trabalho diário do jornal. É, pois, chegados às “cartas” que encontramos outro
conceito problemático do último encontro. É para mim claro que a expressão
“cartas do leitor” apenas tem dois objetivos: recuperar o lado familiar que a
maioria dos cidadãos têm com a expressão, amplamente conhecida e difundida; e lembrar,
por razões ontológicas do próprio espaço, como é que chegavam as primeiras
contribuições dos leitores aos jornais. Todos sabemos que são, na verdade,
artigos de opinião enviados por e-mail. Sou um nostálgico, por isso nada tenho
a opor a esta conceção permanente de “cartas do leitor”.
Uma coisa é certa. Se alguém atravessou estas linhas e
chegou até aqui, já não é mau.
Fábio Ribeiro
Há neste artigo muito bem elaborado, se for lido pelo lado académico, um conceito de classe, que parte do princípio de que só são jornalistas os profissionais reconhecidos pela Ordem/Sindicato. A definição de jornalista pode ser alargada a situações diferentes das profissionais. Se assim fosse, os jornais regionais, na sua maioria elaborados por cidadãos colaboradores, não entrariam na designação de jornalismo regional. Não é necessário ter um curso de Comunicação Social para ter sensibilidade suficiente para intervir na vida social. Falo de um percurso de quem começou a escrever num jornal regional de grande expansão, chegando a chefe de redacção, sempre exercendo a "missão" de forma gratuita. Naturalmente que a formação académica noutra área, e a experiência de vida, tal como o dever de servir a comunidade, serviram de esteio a toda a intervenção. Hoje escrevo cartas aos jornais, sendo umas publicadas outras não, com ou sem cortes, conforme o espaço e o espírito de quem selecciona. As definições ajudam a organizar as teorias, mas valem o que valem e por períodos mensuráveis. Grato pela intervenção que vem enriquecer este espaço de encontro.
ResponderEliminarJoaquim, é certo que não é preciso ter um curso em Comunicação Social. Aliás, em tempos, houve um impasse bastante noticiado, durante o primeiro mandato de Cavaco Silva enquanto Presidente da República, sobre justamente a definição legal de jornalista. A proposta que chegou ao então Presidente regulamentava esta necessidade, a de atribuição da carteira profissional de jornalista mediante a conclusão de uma licenciatura. Cavaco rejeitou essa possibilidade, na altura explicando que os projetos mediáticos mais limitados, como as rádios locais só para dar um exemplo, poderiam ser obrigados a despedir profissionais apenas pela circunstância de não os poderem contratar como jornalistas, uma vez que uma significativa parte desses recursos humanos não tem qualquer formação a nível superior. Hoje é pouco provável um órgão de comunicação contratar alguém sem uma licenciatura, por exemplo. Mas o que insisto nessa definição de jornalista é uma questão de competências que se aprendeu e adquirem também com a Universidade. Veja o estatuto do jornalista (omisso na licenciatura, como é lógico) - http://www.erc.pt/documentos/lei199.pdf
ResponderEliminarO meu entendimento é que a maioria dos escreventes de cartas para jornais se dão demasiada importância para a pouca conta em que são tidos por esses mesmos jornais. E é "cómico" vê-los acrescentar que o "seu" artigaço foi publicado no online não sei quantos e nas folhas tal e tal...
ResponderEliminarMesmo com alguns defeitos, os filhos não devem ser renegados pelos progenitores. É uma questão de civismo e de humanidade.
ResponderEliminarConcordo: os leitores não são jornalistas. Cada um tem o seu lugar , o seu papel. Fábio, li tudo até ao fim!!Obrigada :)
ResponderEliminarObrigado, Céu. É isso mesmo. Esse anedótico esforço de um leitor se proclamar "jornalista" leva a que, no seio das redações dos jornais, os próprios jornalistas olhem com uma certa desconfiança para a forma como alguns dos leitores utilizam, nos seus meios, os seus textos.
ResponderEliminarAliás, o editor das cartas no JN, quando o entrevistei, contou-me que sabia que havia um grupo de leitores que chegava até a imprimir cartões de apresentação, definindo-se como "Autor XXX, jornalista do JN"! E que distribuía esses cartões junto dos amigos e familiares. Para ficar bem. É uma fraude, lamento. E também sei que devem ser poucos, no entanto.
O que é isso de ser jornalista? É assim uma meta social que todos almejam e poucos conseguem! Se há tontos que escrevem uns apontamentos ou observações nos jornais que os acolhem, e apresentam cartões inserindo a qualidade de jornalista do jornal X ou Y, a maioria dos que escrevem cartas aos directores dos jornais, são cidadãos responsáveis que desejam intervir nas discussões de assuntos públicos, numa acção meritória de cidadania. Até porque, alguns ou algumas jornalistas, não têm o nível que devia ser exigido para a profissão, conforme podemos constatar nas estações de televisão, especialmente nas áreas desportivas ou de conversa com os ouvintes. Ser jornalista, professor, serralheiro ou escriturário é exercer uma profissão, sendo importante que desempenhe a tarefa com dignidade.
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