Na continuação do III Encontro de Leitores-Escritores que aconteceu no Porto no passado Domingo, gostaria de partilhar com os que não estiveram presentes, uma reflexão pessoal sobre este tema, e a actualidade do mesmo:
Na
democracia qual é a margem participativa para o cidadão comum e anónimo?
No caso português, o cidadão enquanto “homem político” esgota os
seus créditos de intervenção, nos actos eleitorais.
A nossa democracia é exercida por grupos musculados de “eleitos”,
detentores das chaves, dos códigos, das linguagens intrincadas, que lhes dão
acesso a uma total liberdade de movimentações, em círculo fechado, altamente
arregimentado, feito por eles e para eles, que omite o cidadão comum do
convívio diário.
É uma democracia que se protege, desconfia da novidade, pelo que
não se renova.Vive de decretos-lei de leitura vária mas esotéricos para os
leigos.
O referendo, interessante em questões que pedem decisões que ultrapassam
os níveis de responsabilidade dos políticos, decisões que pedem consensos mais
robustos e alargados, de todos nós, é uma prática pouco comum, desvalorizada, e
sempre que vem à ordem do dia, remata-se a questão com o enunciado bacoco de
que o povo não está preparado nem tem maturidade crítica e intelectual, para
entender a questão que lhe é colocada, e ainda menos para dar uma opinião de
valor acrescentado sobre a mesma.
Tem assim o cidadão poucas opções “à mão” de manifestar a sua vontade,
contribuindo pessoalmente para a afinação dos equilíbrios e harmonias do
sistema do regime.
Das instituições públicas oficiais e de Estado (ministérios,
repartições, tribunais, escolas, estruturas de saúde, polícia e forças armadas,
estruturas autárquicas…) aos serviços públicos ou privados (comunicações, energias,
recursos naturais, supermercados…), para além do Livro de Reclamações
(documento de que muito pouco se fala, e que não se divulga o hábito de o pedir,
nem se faz uma pedagogia da sua importância e utilização correcta, até porque o
desfecho de uma reclamação é muitas vezes desconhecido para o reclamante), o
cidadão, esgotado o voto e a reclamação por escrito, tem à sua frente um enorme
e desértico vazio, pouco podendo fazer para fazer ouvir a sua palavra.
Se a questão que pretende dirimir for do âmbito jurídico, e se
tiver meios e recursos, entra automaticamente numa espiral de burocracia,
impedimentos, bloqueios, prazos que expiram, convidando-o à desistência por
cansaço, ou a um desfecho inútil, totalmente inesperado e por vezes patético.
Se a questão não for de litígio, mas de cidadania, naquilo que
se pode considerar como linhas definidoras desse conceito: preocupação e
atenção ao bem comum, equidade, igualdade de direitos e deveres, denúncia de
imparidades, exigência de esclarecimento credível sobre actuação e boa prática
dos agentes do poder (político e outros), correcto funcionamento das
instituições, neste ponto, já nada se consegue, nem pagando.
Esgota-se a democracia naquilo que deveria ser a sua essência
diferenciadora de outros regimes menos simpáticos: a desvalorização da palavra
do cidadão, a sua desconsideração, uma verbalização que não chega ao receptor.
Neste panorama pouco estimulante, restam duas opções: a conversa
de café, ou a carta para o jornal (agora também a participação nos fóruns de
rádios e canais televisivos).
A conversa de café tem os efeitos que todos reconhecemos e numa
ou outra oportunidade, todos a praticamos. O seu impacto é imediato,
habitualmente o tom da mensagem é em queixume “português suave” e tem por
receptor, um parceiro vizinho, ele também impotente, e que não vai dar
seguimento à nossa solicitação.
Uma alternativa contemporânea são as redes sociais, que permitem
alargar o espectro das conversas de café a um número quase ilimitado de
indivíduos.
Esta opção tem a vantagem sobre o desabafo de pastelaria, no
facto de os políticos com carteira profissional e as estruturas de propaganda e
comunicação que os aconselham, olharem para este meio no sentido de tomarem o
pulso da opinião pública. Não será igualmente de desconfiar que o usem para
contaminar e exercer jogos de manipulação das massas.
A cabalística tessitura da informação-contrainformação!
Com isto, os mais irrequietos que não atingiram ainda o ponto da
desistência, escrevem cartas para os jornais.
Agarram-se à última esperança de serem lidos. Mas escrever
missivas para os jornais é um caminho estreito, de difícil acesso, sem regras
que se conheçam, a que só se chega por casualidades fora do controlo pessoal.
· Quantos
meios de comunicação escrita reservam um espaço regular e decente para a
publicação da opinião do leitor?
· Quais são
os critérios de selecção e escolha dos textos? (qualidade técnica do escrito?
Das ideias apresentadas? A actualidade do assunto? A identificação com a linha
editorial? A identificação com o gosto pessoal de que recebe a mensagem e faz a
escolha para publicação?
Estas interrogações levam-nos a novas interrogações:
· Se o
leitor-escritor se apresenta como o mais fiel leitor do meio em causa, o meio
em causa não deve ter isso em consideração?
· Porque não
lhe dá mais espaço de participação?
· Nos poucos
casos em que dá porque não aceita uma relação cristalina, franca, respondendo
as suas demandas em vez de se remeter ao silêncio?
· Aceitar o
leitor-escritor como um passivo do jornal, para preencher um espaço morto,
considerando o remetente como potencial individuo insano, não é uma
desconsideração grosseira?
· Porque são
sempre os mesmos que veem publicados os seus textos? São os que escrevem
melhor? Os que pensam e traduzem melhor os pensamentos?
· Os que
estão mais à mão?
As vezes pergunto-me, se:
· Para ver
uma opinião publicada o leitor-escritor deve confiar no texto que escreveu, independentemente
da actualidade do tema e da agenda do momento, ou só tem sucesso de publicação,
se o que envia coincide com a novidade efémera que se vai esgotar no dia
seguinte?
· Porque
razão, na eventual necessidade de um contacto esporádico, o leitor-escritor
bate contra uma parede de silêncio? Ninguém responde, os rostos não se dão ao
contacto!
· Responder
não é o ingrediente elementar da comunicação e da polidez?
Depois destas considerações porventura enfadonhas, pode
eventualmente parecer que a decisão mais sensata que o esforço-necessidade de
escrever cartas para os jornais, é uma atitude inconsequente e frustrante, sem
retorno que se veja, com riscos de catalogação demencial dos seus praticantes,
ainda mais aos que persistem.
Pode ser que o seja, mas pode igualmente servir de “mote” para
uma reflexão mais profunda e séria, sobre a eficácia actual dos meios de
comunicação, a disponibilidade que devemos ter para abraçar a resiliência como
arma de adaptação à novidade, o que nos leva a uma perspectiva que gostaria de
enunciar e com ela terminar esta reflexão:
As portas que se abrem, infinitas e inimagináveis, em “canal
aberto” dos novos meios de comunicação com alcance imediato e universal (falo
da internet) e que podem ser a chave-mestra que vai determinar uma nova postura
de cidadania, sem filtros nem cartões de acesso reservado a sócios, permitindo
o exercício pleno do acto de cidadania.
Sopram ventos frescos para consolidar projectos como o nosso
blogue “A voz da girafa”, talvez o caminho mais credível para que as vozes se
ouçam, quando os jornais vivem a negação de não quererem perceber as razões do
seu insucesso de vendas.
Público , 16-3-2016
Pois é! Mas quantos leitores tem o " A Voz da Girafa"? e os outros blogues... Os donos disto tudo, continuam, como dizem os brasileiros, a fazer a cabeça às pessoas. A milhões e milhões delas. E assim, a serem os donos disto tudo.
ResponderEliminarMais uma pérola de bem dizer, escrevendo.
ResponderEliminarUM FORTE ABRAÇO