domingo, 20 de março de 2016

O coleccionador do nada


Sempre fui um coleccionador de ninharias. Desde o preencher cadernetas com cromos de jogadores, de bandeiras, de aves, de uniformes; até de calendários de bolso.
Depois coleccionei porta-chaves, moedas comemorativas e algumas notas, nacionais e estrangeiras.
Moedas e notas restam muito poucas; o restante, uma ‘filoxera’ tudo levou.
Também gosto de livros. E tenho alguns. Algumas centenas; e muitos deles postados em segunda fila, por falta de espaço. Tenho também jornais antigos e do tempo do já esquecido – para alguns - 25 de Abril.
Na minha pequena grande toca já sinto o cansaço do tempo percorrido. E as paredes têm livros, mais cinco quadros, dois diplomas que muito me custaram a obter, e um crucifixo já muito antigo, dos tempos dos meus egrégios avós. E mais algumas coisas tenho, cujo valor são a lembrança e a saudade do que se foi na bruma dos tempos, com algumas réstias de sol de algum contentamento vivido.
Os livros e tudo o mais que me rodeia nesta minha existencial toca escudam-me de muitos rumores externos, apesar de eles mesmo encerrarem páginas com o troar de guerras infindas, amores tormentosos e intrigas mil, eivados de poemas de amor e também de muita dor.
E não é que já há uns tempos que comecei a coleccionar recortes de fotografias de pessoas falecidas vindas na página de necrologia dos jornais? São de pessoas amigas, familiares, antigos colegas de trabalho, velhos camaradas de armas, vizinhos, enfim, olho para eles e chego à conclusão que são uma parte de mim que partiu, sem regresso.
E só nessa altura é que chego à conclusão que muito tempo por mim já passou e que, entretanto, muitas pérolas eu perdi, as quais ficaram, inexoravelmente, fora da minha colecção.

José Amaral


1 comentário:

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