O mundo está cada vez mais desestruturado e sofre de uma enorme crise de
valores - Facto.
O mundo está cada vez mais sórdido e violento - Facto.
Os Homens são a causa e o efeito das duas premissas anteriores - Facto.
Portugal é um país perigoso, mal frequentado e com pessoas mal formadas?
Ora, vamos lá refletir em conjunto.
Só por si os factos referidos anteriormente fariam qualquer pessoa,
sobretudo se for mãe / pai ou estiver para tomar a decisão de o ser, pensar duas,
três, nnnn vezes, uma vez que parece termos chegado a um ponto de não retorno e
enfrentamos diariamente uma realidade em que o objectivo é sobreviver e não
realmente viver.
A vida em sociedade é complexa, sabemos disso; tem subjacente um conjunto
de regras e padrões de comportamento que alguém definiu como normais e, depois
tem os chamados desvios à norma. Acontece que nos dias que correm temos dois
tipos de desvios à norma; a atípica, mas até desejável, tendo em conta aquilo
em que o mundo se tornou e a desviante, tortuosa, perigosa, violenta que coloca
a nossa vida e sanidade mental em níveis de perigosidade elevados e
preocupantes. Para além disso temos a dita norma, que me parece que de normal ter
cada vez menos e que por isso merece uma reflexão ainda mais aprofundada.
Analisemos por exemplo o paradigma das relações afectivas dos jovens
portugueses tendo por base o último estudo realizado em Portugal sobre esta
matéria. Foi realizado nos distritos de Braga, Grande Porto e Coimbra e
envolveu cerca de 2500 jovens entre os 12 e os 18 anos.
Como é que pode ser tolerável, aceitável e normal, proibir a pessoa com que
se está emocionalmente envolvido, de falar com pessoas que não sejam de
relações comuns ou exigirmos estar presente caso não o sejam; achar que existe
legitimidade para validar ou não a forma como o outro /a se veste; vasculhar o
conteúdo do seu telefone e / ou pc ; vigiar os seus passos; obrigar a
manifestações públicas de carinho e mesmo, forçar relações sexuais? Mais, como
é que para além da “normalidade “ associada a estes comportamentos, claramente obsessivos
e doentios, eles são por ambos, agressor e agredido, considerados, muitas vezes
“ manifestações de amor”?
Muito se tem escrito, discutido, falado sobre a problemática da violência
do namoro e do sucessivo crescimento do fenómeno em Portugal. Este estudo que
acabei de referir revela dados muito preocupantes, não apenas pelas
percentagens nas várias variáveis analisadas mas sobretudo por terem passado a
ser considerados normais comportamentos que na minha geração já eram
completamente intoleráveis, pelo que a questão que se coloca aqui é…o que
falhou para estarmos verificar este verdadeiros retrocesso civilizacional em
termos relacionais?
De tudo o que li, de todos os dados que recolhi, de todas as pessoas com
que falei, inclusive jovens agressores e agredidos, cheguei sempre à mesma
conclusão de que na génese do aumento destes comportamentos está uma confusão
conceptual enraizada e perfeitamente interiorizada entre os conceitos de respeito
e medo, para além da relação de posse associada à relação; variável sempre, assustadoramente
presente.
Para além de claros problemas de autoestima e de afirmação subjacentes a
estes comportamentos, existem aqui também um conjunto de estereótipos que são
claramente incentivados pelos média e pelas referências que estes jovens têm
como modelos na estruturação das suas personalidades e logo na forma como geram
as suas relações. Se juntarmos a isto um cada vez menor investimento / tempo
que as famílias têm para estar com os seus filhos e serem agentes reguladores
na estruturação dos seus afectos, temos a receita para a catástrofe.
A violência nas relações amorosas não têm fronteiras não escolhe estratos
sociais, faixas etárias, religiões, etnias, pode e ocorre em todos os casais
sejam eles heterossexuais ou homossexuais. No nosso país, um em cada quatro
jovens sofre de violência no namoro e se bem que a consciência do fenómeno seja
cada vez maior, a verdade é que a incidência não diminui, no sentido em que à já
extensa teia de variáveis analisadas, se vão acrescentando outras que entretanto
vão surgindo.
O mundo está doente e o nosso país não é excepção, mas é importante que a
sociedade no seu todo se consciencialize que este, como outros fenómenos de
violência, são crimes públicos e é nosso dever denunciar ou proporcionar à
vítima uma conjuntura em que a mesma sinta suficiente segura para apresentar
queixa, mas confesso que nesta matéria tenho as maiores das reservas. É que
casos recentes que têm vindo a lume, demonstram claramente as insuficiências
das instituições que em tese deverão proporcionar apoio técnico, jurídico e
psicológico às vítimas e os pedidos de ajuda não concretizados muitas vezes acabam
em tragédia.
Será esse também um dos motivos porque jovens se acobardam e se sujeitam a
este tipo de violência? Pode ter peso mas não é seguramente aí que reside a
génese do problema.
Em 2015 foram apresentadas à Polícia de Segurança Pública 1680 queixas de
violência no namoro, mais 130 do que no ano anterior. Dessas queixas, 77% foram
apresentadas pelas vítimas ( bom sinal ) , 23 % eram estudantes e relativamente
à tipologia das queixas, 84% foram de violência psicológica e 74% de violência
física.
Portugal tem um longo caminho a percorrer no combate a este problema, e os
jovens uma responsabilidade acrescida no fomento de padrões de relacionamento
em que o respeito mútuo seja a base da relação. Para além disso é necessário
que a sociedade no seu todo não se demita da responsabilidade que tem nesta
matéria, porque todos, mas todos mesmo temos um papel a desempenhar.
Ouvir, como eu ouço tantas vezes, que não é nada connosco e até fazer de
conta que não se viu nada, é ser conivente. Não fazer pedagogia activa, em
casa, na escola ou no grupo de amigos, é ser conivente.
Nesta, como noutras matérias é importante não esquecer que um dia lhes pode
bater à porta e aí pode ser tarde demais.
Graça Costa
Socióloga
*Este
artigo não é escrito ao abrigo do acordo ortográfico
A ideia que perpassa é que essa gentinha - eles e elas - raciocina da cinta para baixo. Sendo que o "melão" que posuem em cima dos ombros não passa de mero ornamento...
ResponderEliminaro seu comentário. curto e incisivo, é terrivelmente verdadeiro o que torna a problemática ainda mais assustadora . Sei do que falo porque trabalho com jovens e esta temática é , infelizmente,recorrente.
ResponderEliminarÉ verdade que todos temos um papel a desempenhar. E acrescento,porque todos somos culpados! Principalmente, tantos pais e mães.
ResponderEliminarNão pretendendo ser moralista e ainda por cima estando aqui a "falar" com uma especialista na matéria, creio que a depravação também contribui para a violência, sobretudo se ela for veiculada pela comunicação social.Outro dia, ouvi na Antena 3, no programa do Fernando Alvim, o seguinte diálogo entre ele e uma "menina" que parece que é DJ e também autora lá de um programa. Dizia o Alvim que há muitas mulheres que simulam o orgasmo, e então perguntou-lhe se ela também já o teria feito. Ao que a azougada "menina" respondeu de imediato que sim. Porquê? Indagou ele. " Porque, se estou cansada, para me ver livre dos gajos" Isto, numa antena de rádio publica e de expressão nacional.Que acham?
ResponderEliminarboa tarde colega blogger. eu não sou especialista em nada...quando muito sou preocupada com muita coisa e tento informar-me para não debitar disparates. O que relata é pertinente e remete para a banalização e vulgarização publica dos afectos que é uma realidade preocupante em todo o mundo dito civilizado ( se não fosse trágico era cómico ). Por acaso conhecia esse triste episódio radiofónico porque sou mãe de dois rapazes com 20 e 24 anos respectivamente e o mais novo, contou esse episódio e rematou assim - ainda perguntas tu , mãe, porque não tenho namorada ? Fiquei esclarecida e ainda mais preocupada. Triste não é ?
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