Foto: José Magalhães |
Ainda antes dessa busca por uma boa ideia para anotar no meu caderno especial - talvez o único no mundo que oferece recompensa em dólares em caso de perda - ou por uma boa foto, o meu terceiro vício: o café, no Marrocos. «Só um» pedi. Como sempre, «só um» para um. De manhã, não consigo comer nada. O meu pequeno-almoço resume-se a meia dúzia de cigarros e a um café curto, vício de quase todos que, felizmente, ainda não proibiram.
O último dos meus vícios é o açúcar. Ou melhor, os pacotes de açúcar. Não me ocorre agora o nome que se dá ao viciado em café e ao viciado em tabaco, mas sei que sou periglicófilo. Quando o café chegou reparei que ainda me faltava a reprodução do painel de azulejos da sala de música do Palácio do Pombal. Utilizei o cabo da colher para abrir o saquinho sem o danificar. Verti quase todo o conteúdo e deitei o resto no pires. Ao invólucro de papel fino, o mesmo destino: o bolso quase secreto do Moleskine.
Enquanto mexia e depois sorvia essa bebida estimulante, olhava ora para a rua, ora para as poucas pessoas que àquela hora estavam sentadas no Marrocos. Lá fora, a gente desaparecia ora à minha direita, ora à minha esquerda. Mirava de cima a baixo cada um que entrava e que procurava, duma maneira geral, sentar-se num dos dois sofás de cabedal preto que acompanham os lados mais compridos daquele salão. Às vezes, de modo involuntário, desinteressado, pregava o meu olhar numa criatura durante alguns segundos ou, então, fixava os meus olhos nas imagens reflectidas no original espelho de cristal de Antuérpia ou, ainda, admirava uma vez mais o tecto em gesso pintado.
Para o Moleskine, nem uma linha. Ainda não tinha nada para lhe dar. Pensei em escolher outro lugar como observatório: «Não vai ser aqui que a vou encontrar». Fiz então sinal ao moço que me havia servido.
No momento em que tirava as moedas do bolso das calças, apercebo-me duma mulher que encostava o nariz ao vidro. Desapareceu repentinamente, como se tivesse encontrado quem queria, mas ao mesmo tempo, o evitasse. Foi para o lado esquerdo. «Olhou para mim, tenho a certeza. Fugiu depois de me ver?! Ah, é ela.» Não tive dúvidas. Deixei dinheiro a mais sobre a mesa de tampo de mármore para pagar o vício, dei um encontrão ao casal idoso que entrava com grandes sacos de papel e corri atrás dela.
Sem a perder de vista nem por um segundo: trazia uma boina. Persegui-a atabalhoadamente. Ziguezagueámos ruas, esperei que saísse de uma loja de música e de uma outra de lingerie, subi e desci os degraus (ou os vizinhos) que aguentaram o seu peso, entrámos e saímos do metro sem me preocupar onde. Não tive tempo de abrir o meu caderno.
Fui no seu encalço até não poder mais: ela entrou em casa. Disparei a última vez. Desiludido, dirigi-me para casa com um «Até nunca».
Entrei no meu prédio sem elevador há mais de um mês e cheguei ao meu apartamento sem fôlego. «Maldito vício» (refiro-me ao segundo, o tabaco). Abri a porta e o cão atirou-se a mim desejoso por brincadeira.
- «Agora não. Sai da frente! Tenho muito que fazer».
Fechei-me na minúscula cozinha que transformo em laboratório fotográfico sempre que é preciso. De imediato, tratei do material para revelar as fotos que consegui da beldade. Por fim, prendi-as com molas de madeira e saí para dar de comer ao Big que não parava de ladrar.
Regressei ao estúdio improvisado sem remorsos. Lentamente, os contornos da mulher e as cores tornavam-se cada vez mais nítidos em cada uma das fotos. «Uma perfeição!» Lá estavam a sua boina verde tropa que deixava livre uma parte da linda cabeleira loura e o casaco negro e comprido que a distinguia de todas as outras na rua. «Serás a Vilma».
Assim que prontas, peguei nas quatro fotografias e espetei-as por ordem cronológica no pequeno quadro de corticite que tenho sobre o computador. Sentei-me e fiquei a olhar para a mulher.
O telefone tocou. O cão ladrou - não gosta de telefones. «Francisco? Sou eu. Preciso que me leves amanhã ao aeroporto. Pode ser?». Não podia recusar um pedido da Zira.
No dia seguinte, deixei a minha irmã no aeroporto e inventei uma desculpa esfarrapada para não me demorar mais que o tempo de ajudá-la a tirar a mala, dar-lhe um beijo e desejar-lhe boa viagem com sorriso comercial. Regressei a casa desejando que o meu Fiat velhinho fosse um avião.
Como um lobo faminto, engoli dois ovos fritos metidos num pão do dia anterior com a ajuda de duas cervejas frias. Não que estivesse com fome, mas julguei que devia comer para trabalhar algumas horas seguidas sem ter que me levantar, interrompendo o processo criativo. Como um verdadeiro macho, atirei com a frigideira para a banca da louça onde já tinha largado material de revelação, desprezando a limpeza da cozinha. De seguida, tratei de encher o prato do cão com tanta comida que o bicho não teria que me chatear tão cedo.
Eu ansiava, desesperadamente, estar a sós com Vilma.
Fechei a porta do quarto e abri as persianas até cima. Um raio de sol atravessou a janela e o meu corpo, desenhando na parede pálida e bolorenta uma sombra de mim. Por fim, sentei-me ao computador com mais de vinte e quatro horas de atraso, receando ter perdido tudo. O esforço seria muito maior, eu sabia. Esperei. Esperei. Não estava capaz de me concentrar. Levantei-me, tolerando o atraso da inspiração.
Enquanto ela não vinha, acendi um cigarro e pus-me à janela que dá para as traseiras de um prédio mais alto e com a maioria dos apartamentos à venda. Numa das varandas do último piso, uma mulher esticava-se para estender a roupa, assediada pelo vento forte que lhe desarrumava os longos cabelos. Diverti-me, tenho que admitir. Assistir à sua luta contra o ar em louco movimento deixou-me mais descontraído. Atirei a beata para o pátio do meu prédio mas o vento também brincou com ela e levou-a num rodopio. Fechámos a janela no mesmo instante. Ela lançou-me um olhar reprovador (sei lá porquê) e eu retribuí com indiferença e apatia.
De novo na cadeira, frente ao computador. Inclinei a cabeça para trás fechando os olhos, tentando concentrar-me. Nada. Não me ocorria literalmente nada. A falta de inspiração deixa-me doido, doido. Mais um cigarro. «Agora não me levanto daqui». Olhei para Vilma há espera que me dissesse algo. Nem uma palavrinha. Continuava linda, mas muda. O silêncio era descontinuado pelo ladrar do cão que ainda não aprendeu a respeitar o meu trabalho.
Revirei mais uma vez os olhos para Vilma como quem se volta para a Virgem à espera que ouça as suas orações. «Peçam, e Deus vos dará; procurem, e hão-de encontrar; batam à porta….». Não acredito em Deus, mas guardo de memória esta passagem que ouvi quando era miúdo. Do tempo da catequese ainda me ficou o sinal da cruz. Faço-o sempre que conduzo, quase religiosamente! Espero não ver ninguém e benzo-me. Benzi-me então, como qualquer jogador de futebol antes de entrar em campo ou como a Amália antes de cada fado. Talvez resultasse…
Para meu espanto, as primeiras palavras apareceram na folha branca. A letra não era minha. As palavras não eram minhas, mas saíam-me das mãos, de dois dedos das minhas mãos.
Espreitou para dentro à procura da amiga. «Ufa! Que alívio. Ainda não tinha chegado.» Entrou então na Padaria Bela Princesa e sentou-se voltada para a rua com o mesmo nome. Tirou a boina azul-celeste e o casaco de fazenda preto e pousou-os numa cadeira. O telemóvel tocou: uma mensagem escrita. A amiga comunicava em abreviaturas que não podia vir ao seu encontro. Tinha o bebé doente. Ficaria para uma próxima. Vilma levantou o braço fazendo sinal para o empregado conhecido e articulou «café» arregalando os seus olhos míopes. Não ficou desiludida. Afinal, está habituada a pedir «só um» como o poeta: “Nunca tão sociável sou como sozinho”.
Bebeu o café curto sem conseguir saboreá-lo, pediu as duas carcaças da praxe e a conta apressadamente porque começara a morrinhar. Deixou a padaria dirigindo-se para o carro em passos largos e depois em corrida. Entrou na viatura deveras encharcada, e sentiu-se impiedosamente castigada por algo mais que aquela chuva.
Abriu a porta de casa injuriada e a praguejar como uma velhota. Tomou um segundo banho. Mas, dessa vez, um duche deliciosamente demorado e muito quente. Deixou a água correr com toda a força sobre o seu corpo. De olhos fechados (o narrador não sabe porquê), talvez procurando lavar mais do que o corpo ou fizesse outra coisa que não lavá-lo. “Pensando talvez numa coisa qualquer que não existirá”. E estava nessa lavagem como a pessoa que o mesmo poeta descreve, “que lava os dentes/sozinha em casa a uma certa hora da tarde na casa em sombra”.
Saiu do duche e enxugou o corpo com uma toalha aquecida. E, depois, com uma paciência que lhe é rara, hidratou o corpo seco desde a palma dos pés à palma das mãos e à ponta dos dedos que lhe doeram com a pressão que exerceu neles. «Pouco me estimo» – admite. Também se fazia tarde para marcar a depilação. Perfumou-se e escolheu uns brincos de fantasia compridos. Pintou os olhos com lápis preto e obrigou-se a secar o cabelo, esticando-o bem. Assim aparentaria menos desleixo.
Como era cedo para preparar o almoço para uma pessoa só, sopa e uma sandes de alface e pouco mais, resolveu arrumar o armário do escritório, uma tarefa que vinha adiando por malandrice, ou preguiceira, ou sornice ou mandrieira. Pôs Purcell no leitor de CD e abriu as portadas de pinho. Com as mãos na cinta olhou para o desconcerto das prateleiras e perguntou ao móvel por onde começar.
Porém, uma caixa quadrangular de cartão cor-de-rosa florida que se encontrava na prateleira debaixo foi o pretexto para, «só mais uma vez», contrariar a pretensão de dar ordem ao caos que deliberadamente foi criando ao longo dos últimos seis meses desde que alterou a disposição da sala.
Sentou-se na poltrona amarela encostada à parede vermelho imperial. Pousou a caixa nos joelhos e abriu-a – já não o fazia há muito tempo. Mas logo se levantou para baixar o volume da música. Voltou a sentar-se e a pegar na caixa. Surpreendeu-se ao encontrar alguns objectos atirados para os cantos da mala nas viagens da sua juventude: um bilhete de avião para Istambul; uma entrada no Estádio Olímpico de Munique; postais de países visitados que, na época, não teve a quem destinar; fotografias de amigos que já não são – “Os meus amigos são os mais recentes/os dos demais países os que mal conheço e /tenho de abandonar porque me vou embora”; duas bases para copos de centenárias cervejas alemãs; um cubo de açúcar La Brasileña trazido de uma estação de serviço francesa; e, ainda, um sabonete e uma saqueta de champu do Hotel Tudanca em Burgos.
Contudo, nada disto foi tão espantoso como um pedacinho de papel. Um rasgão de papel borrado de café com um número de telefone. A letra não era a sua. Quem lhe havia dado esse número difícil de memorizar e a quem pertencia? Só havia uma maneira de saber.
Desceu mecanicamente as escadas num passo lento, olhando para a sucessão de algarismos. O seu coração, por seu turno, batia cada vez mais depressa. Tremeu ao marcar o número. Desistiu antes do último dígito. Colocou o auscultador no repouso. «Es muss sein», tem que ser. Duma só vez e sem hesitar digitou todo o enigmático número.
- ‘Tou? Quem fala? – perguntou, com voz frouxa.
- Francisco – respondi.
Vilma desligou o telefone na minha cara.
Era impossível ligar-lhe de volta. Fiquei furibundo, enraivecido, tal como o meu Big quando lhe nego uma saída ao parque. Enfiei a gabardine e saí de casa. Tinha perdido Vilma. Não era a primeira nem a segunda vez que deixava fugir uma mulher. E não seria a última por este andar. Deambulei pelas ruas até ficar escuro. Choveu, mas não quis saber. Apeteceu-me ter pena de mim, mas não consegui. Vi na chuva a melhor maneira de arrefecer os ânimos e de me auto punir. «Como posso ser tão estúpido?»
Gelado e já sem um único cigarro, resolvi voltar para casa (só para fumar). Despi-me e meti-me no chuveiro como se entrasse na Máquina do Esquecimento. A água quente, reconfortou-me um pouco. Sentia necessidade de, ainda que por instantes, ser piegas, mimalho, abraçado e não digo a outra palavra também começada por a. Deixei-me ficar. Olhos fechados ouvindo a água. A água apenas nos meus ouvidos como chuva quente. Não tinha pressa. Ninguém me esperava. Queria tudo esquecer, esquecendo ali o meu corpo e a minha mente. Compreendi duma forma mais perfeita o poder da água.
Mas não me esqueceram. Eu existia para alguém no mundo, porque o telefone tocou. Mas podia ser engano a lembrança de mim. O Big ladrou. Pelo menos eu existia para um cão. A chamada era para mim. A Zira pedia-me que a fosse buscar ao aeroporto na manhã seguinte pelas nove.
Vesti-me calmamente olhando para Marta, Judite e Vilma. Aproximei-me do quadro de corticite e arranquei todas as fotografias. No seu lugar, ficaram alfinetes. No balde do lixo, os restos mortais de Vilma e das companheiras, feitas em pequenas tiras de papel, misturadas com beatas e com as horas consumidas inutilmente.
Estava exausto. Fui-me deitar. Já na cama reparei que me tinha esquecido de jantar. «Não importa». Deixei-me ficar e entretanto devo ter adormecido.
Às oito, o despertador não se esqueceu de me acordar. Meti-me no meu querido chaço e fui para o aeroporto. É com o Fiat que mantenho a relação mais duradoira e mais feliz que conquistei na vida.
Já na zona de Chegadas, sentei-me num lugar estratégico: muito próximo à porta automática. Podia ver a Zira facilmente quando saísse. Mas ao fim de meia hora levantei-me. A porta abria-se vezes sem conta (já me doíam os olhos e o pescoço) e Zira não aparecia. «Ainda não foi desta».
A porta abriu-se mais uma vez de par em par e eu tive uma aparição sobrenatural: uma mulher linda deslizou na minha direcção em “passos largos de leoa”. Fiquei sem fôlego à medida que ela se aproximava parecendo vir abraçar-me. Mas não. Passou ao meu lado, lançando-me um olhar. Mas um olhar tão insensível e frio quanto implacável. Tão marmóreo como a coluna de pedra que ela viu em mim. Ainda que petrificado, eu ardia de excitação.
- Chico! Chico!! - a minha irmã tinha saído naqueles instantes e encontrara-me. Eu não via nem ouvia nada à minha volta. Estava hipnotizado fazendo girar o meu corpo em função dos movimentos dela. Zira despertou-me deste entorpecimento.
Sem cumprimentá-la, ordenei-lhe que me desse a máquina: «Rápido!». Corri até à porta de saída, e do lado de dentro, discreto o mais que pude, consegui duas fotos da mulher mais linda que vi na vida: uma de costas e outra de perfil junto do taxista que lhe colocou as malas na bagageira, tão profissional nos seus gestos e modos que mais parecia não ter olhos na cara.
«O que é que estás a fotografar?» - perguntou Zira ao chegar junto de mim.
«Aquele avião que está a entrar agora no táxi. Ali, vês? Casaco de lince e cabelo liso negro… Conheço-a de algum lado. Já a vi antes».
- «Essa mulher viajou ao meu lado» - comentou a Zira.
- «Estás a brincar… Tás a falar a sério? Fala-me dela, por favor» – implorei.
No caminho para casa, eu conduzi devagar, atento a cada palavra ditada. Involuntariamente, olhava para o retrovisor como se eu fosse aquele taxista sortudo que transportava a mulher de outro mundo – «para onde?». Imaginei-me a olhar pelo espelho procurando esses olhos que mais parecem amêndoas verdes e sonhando carícias na sua pele macia da cor do pão.
Sem o Moleskine e em vez disso um volante entre as mãos, fui obrigado a fixar essa “matéria-prima” na minha cabeça para mais tarde escrever sobre a bela do aeroporto. “A rapariga sentou-se na poltrona do meu lado esquerdo, ao pé da janela. Instalou-se de tal forma que eu pensei que ela ficaria ali para sempre, pois colocou cada coisa no seu sítio e ordenadamente. Reparei ainda que engoliu duas pastilhas. Talvez para o enjoo. Desceu a cortina, alongou a cadeira e cobriu-se com uma manta que trazia no seu saco. Não posso dizer-te muito mais, porque ela dormiu ininterruptamente durante toda a viagem”, narrou a Zira.
Saí da faixa de rodagem e travei a fundo na berma da estrada assustando a minha irmã que vomitou as palavras «Estás doido ou quê?»
- «É a bela adormecida de Gabriel…» - concluí.
- «Que Gabriel?» – indagou ela.
Eu não só conhecia aquela mulher como sabia de cor a descrição de García Márquez. Eu não estava doido. Tinha a minha irmã como testemunha: acabava de encontrar a bela adormecida do colombiano, desaparecida há anos na amazónia de Nova Iorque. Agora eu, aspirante a escritor, encontrava-a aqui no Porto. Estava fora de mim.
Chegámos finalmente à casa da minha irmã. Zira emprestou-me a máquina e lembrou-me da ceia de Natal na casa da mãe. «O.K. Até logo, então» - disse eu, distraído e com pouco entusiasmo natalício.
Quando cheguei ao meu apartamento, está bom de ver o que fui fazer: imprimi as duas fotos da bela adormecida de Gabriel. Pendurei as duas folhas de papel A4 no centro do quadro, fixando-as à corticite com todos os alfinetes que antes exibiram as outras moças. Fiquei a olhar para ela embevecido. Não sei há quantos segundos o Big estava a ladrar quando dei por ele junto de mim aos saltos. Estava na hora de o levar ao parque. Mais que justo. Quando regressasse a casa, seria todo dela.
Desci as escadas. O Big ia mais à frente, ansioso por sair. Pouco depois ouço--o a ladrar de forma estranha. Corro pelas escadas preocupado, saltando degraus. Encontro o meu cão a farejar uma alcofa. Não podia acreditar: estaria ali um bebé? Não pensei duas vezes: peguei na alcofa e subimos os três. Telefonei para a Zira. Tínhamos que fazer a ceia de Natal em minha casa. «Mana, não faças perguntas». Não havia respostas. Que viessem todos para casa do Francisco. Zira devia convencer a família a passar a noite na minha casa desconfortável e feia, porque eu tinha uma grande surpresa…
Até à chegada de todos, só os três permanecemos. Nem uma palavra. Não as havia para descrever aquele momento. Nem as procurei sequer. O Big percebeu tudo muito bem. Fizemos silêncio absoluto e ouvimos uma música de anjos, algo que eu nunca escutara antes: a respiração duma menina a dormir, os seus suspiros profundos, o sono tranquilo de um bebé que mais parecia estar em sua casa.
Eu e o Big não arredámos pé. A menina na alcofa sobre a minha cama. Eu de um lado, ajoelhado. O cão do outro, deitado. Ele esqueceu-se do parque e eu esqueci-me das minhas dores e da bela adormecida de Gabriel.
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