Aquilo que uma pessoa atenta começa a constatar é
que, à magistratura judicial, começaram a aportar não apenas indivíduos com a
vocação de juiz, mas também justiceiros, doutrinadores e funcionários públicos,
no sentido pejorativo do termo.
Qual é a diferença? É que, ao contrário do juiz, o
justiceiro descrê da justiça dos homens e, como tal, procura alcançar a justiça
divina escrevendo direito por linhas tortas. Por sua vez, o doutrinador procura
fazer doutrina, enquanto o funcionário público procura despachar processos. Ou
seja, do justiceiro sai sempre a solução mais aberrante do ponto de vista
jurídico (para ser justa à sua maneira); do doutrinador sai sempre a solução
mais inesperada (para ser inovadora); e do funcionário público sai sempre a
solução mais fácil (para não dar muito trabalho). Qualquer das três hipóteses só
serve para fazer abalar a fé do cidadão na justiça e nos tribunais. Com efeito,
a justiça para ser justiça tem de ser justa de acordo com as regras instituídas,
regras essas que devem ser inteligíveis e coerentes aos olhos do cidadão
comum.
Em boa verdade, os cidadãos depositam hoje tanta
confiança na justiça portuguesa como nos jogos de fortuna e de azar. Talvez por
isso esteja a regressar em força a justiça privada, porque a maioria dos
portugueses não tem dinheiro para arriscar nos Casinos da Justiça em que se
transformaram os nossos tribunais.
Neste contexto, falar em advocacia preventiva dá
vontade de rir. Com efeito, para que pudesse haver uma advocacia preventiva, era
necessário que, pelo menos, os advogados e os juristas fossem capazes de fazer
um juízo de prognose, com alguma segurança, sobre o resultado de determinada
causa. Ora, isso só seria possível se, em Portugal, houvesse estabilidade
legislativa e uma verdadeira jurisprudência. Infelizmente, não há. O que existe
em Portugal são decisões judiciais avulsas e contraditórias em que impera o
princípio anarco-lusitano de “cada cabeça sua sentença”.
Parafraseando Camões: já não basta o legislador mudar a
lei a cada dia, como também a decisão do tribunal nunca é como
soía.
O maior problema da vida nacional é a incoerência das decisões dos tribunais, porque a "justiça" é à medida dos intervenientes e das amizades e interesses construídos. A justiça é um simulacro dela própria e se o país chegou onde estamos,também foi porque Parlamentos e Governos afeiçoaram a Justiça aos seus interesses e não aos interesses da Nação. Infelizmente a gangrena está tão profundamente enraizada que o enfermo já não tem cura.
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