- Ó Luísa
senta-te aqui e bebe um café.
- Obrigada
António mas já bebi em casa.
- Ó mulher
não paras, andas sempre de um lado para o outro.
- E sou mais
velha do que tu dois anos, no próximo mês faço setenta e seis anos.
- Não te
preocupes, o Costa ganhando as eleições aumenta as reformas e já não precisas
de andar nessa freima.
- Eu nunca
trabalhei para o estado para ter uma reforma de milhares como tu.
- Não te
esqueças que eu descontei muito.
- Deixa-te de
tretas, tu reformaste-te aos sessenta e cinco anos, se durares mais vinte anos
a receberes uma reforma de milhares por mês achas que descontaste o suficiente,
para não falar doutras regalias que tens, deixa-te de tretas és da esquerda mas
é do teu bolso.
- Ó Luisinha
reconhece que se vivia melhor no tempo do Sócrates do que agora.
- Vocês são
fantásticos para branquear o passado, esse Costa que tu tanto admiras está
ansioso por subir ao poleiro para comer e dar de comer aos do partido dele,
reparaste que os parasitas já andam à volta dele, cheira-lhes a mesa farta e
bolsos cheios, olha se ele quis reduzir o número de deputados, são poucos para
os pretendentes, depois aumenta o número de funcionários públicos e os salários
e tem os votos garantidos e o povo aguenta.
- Ó mulher
atiras a matar.
- Só tenho a
quarta classe mas não sou estúpida que me interessa viver acima das minhas
posses durante algum tempo, no futuro vou ter que estender a mão a pedir ajuda,
como o nosso país já fez três vezes e sempre com governos socialistas, depois
quem vier a seguir aguenta a bucha e claro é o mau da fita.
Eu não sou
contra os estrangeiros, sou agradecida a quem me ajuda, resta saber se eles
estão com pachorra no futuro.
- Ó Luísa não
estás mal, tens um apartamento e eu vivo numa casa alugada e o meu salário é
único em minha casa.
- Está
caladinho não me puxes pela língua, o apartamento acabei de paga-lo à pouco, não
tinha dinheiro suficiente e o meu patrão emprestou-me o que faltava sem cobrar
juros, é por isso que estou sempre disponível, pois foi um grande favor que me
fez.
- Ó filha o
destino foi traiçoeiro para mim, o meu filho é aquilo que tu sabes, vai fazer
uma desintoxicação, vem bem, passado algum tempo volta ao mesmo, a minha filha
tem dois filhos para criar, o pai do mais velho desapareceu, dizem que foi para
a Austrália, o pai da mais nova é casado, não dá nada para o sustento da filha.
- Sabes António
o destino quando nos convém tem as costas largas, estragaste os teus filhos,
querias que eles fossem doutores, andaram na faculdade de dia, á noite nas
festas a gastar o dinheiro do pai, o teu filho não acabou o curso, a tua filha
é professora, não arranja emprego a dar aulas e não se apega a trabalhar em
mais nada, nós temos aquilo que merecemos e o mundo que fazemos, os mais novos
são quase sempre o espelho de nós, quando o meu filho disse que não queria
estudar foi trabalhar, aprendeu a arte de eletricista, não lhe falta trabalho e
ganha bem, tu já trocaste de mobília várias vezes, eu ainda tenho mobília de
quando casei, carro nunca tive, viajar só fui uma vez há capital, restaurantes
só se for a minha cozinha, admiras-te que eu tenha uma casa, mas tenho regras
que tu nunca tiveste, dinheiro a mais cria vícios, facilita demais a vida,
torna as pessoas egoístas e comodistas, tira-lhes o ânimo para lutarem por uma
vida melhor.
- Ó Luisinha
falas de uma maneira que fazes-me lembrar o tempo do Salazar.
- O diabo
seja surdo, mudo e cego, nesse tempo passei fome, vivia numa barraca e comecei
a trabalhar com doze anos, quem era pobre passou muito mal, mas digo-te muito
sinceramente gosto do Cavaco Silva e do Passos Coelho. Admiro pessoas honestas,
trabalhadores, inteligentes, realistas, comedidos, as coisas devem ser feitas
com peso e medida, basta de maledicência, de inveja, de criar ilusões no povo
quando sabem que vão dar mau resultado.
- Não sejas
tão amarga, a intenção era a melhor, proporcionar uma vida melhor ao povo.
- Olha
perfeito não há ninguém a começar por mim, ninguém consegue agradar a todos,
eles dizem que é preciso mais cachopos, convém aos políticos, quanto maior for
a miséria mais são as promessas para conseguir o poleiro, coitadas das nossas
mães tiraram à boca para nos criar sem subsídios, sem ajudas das instituições
como tem a tua filha que anda sempre toda jeitosa sem fazer nada.
Eu trabalhei
toda a vida, não tenho obrigação de sustentar os filhos dos outros, quem não
poder tê-los que tome a pílula que é grátis.
Quando somos
muitos e o pão é pouco todos ralham e ninguém tem razão e como eu nunca estive
à espera do ovo no cu da galinha espero trabalhar até morrer para não depender
de ninguém.
Lembras-te
da Palmira Bastos?
- Então não
lembro, gostava de ver aquela peça de teatro em que ela dizia que gostava de
morrer de pé como as árvores.
- Eu estou
como ela também gostava de morrer de pé, tu já duvido, a estas horas da manhã
já estás na esplanada a beber, ó criatura há instituições que precisam de
voluntários, davas umas horas por dia e fazia-te bem, sentias-te útil, passas
aqui os dias a falar de política, de desporto e sei lá do que mais e um dia
destes estamos no caixão.
- Ó Luísa já
trabalhei muito.
- Sim abelha,
se tivesses trabalhado como eu que sempre tive patrões, já tinhas morrido.
- Luisinha o
que eu preciso é de uma mulher, vai fazer dois anos que estou viúvo.
- Tens os
teus filhos.
- Por acaso,
se estou a contar com sapatos de defunto bem morro descalço, nós podíamos juntar
os trapinhos e fazer companhia um ao outro.
- O que tu
queres é uma empregada para todo o serviço, homem tive um e chegou, prezo muito
a minha liberdade, não estou para aturar desaforos de mais nenhum e para
companhia chega-me os meus gatos.
- Mas olha
meu amor não sabes o que perdes, ainda sou homem para te dar uns bons apertões.
- Ai que a
conversa esta a estragar, tu nem para me apertares os dedos dos pés, vai dormir
que o teu mal é sono, até logo António.
Com
amizade.
Araujo.
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