A notícia foi para o ar às 20h52, precisamente cinquenta e
dois minutos após o início do Noticiário. Cinquenta e dois minutos preenchidos
com assuntos prioritários – domésticos – os temas habituais. Nos episódios do
mundo, neste dia também aconteceu um massacre, que só seria importante se não
fossem mais importantes as luzes a acender e a apagar da árvore artificial.
No Paquistão houve um atentado talibã. Morreram 132
crianças, mas não faz mal, porque lá não se comemora o Natal.
Essa fatalidade não enegrece a comunhão entre os homens, que
por essas bandas esta época do ano diz-lhes pouco.
Lá não se preocupam com o presépio, os pinheirinhos
iluminados, o bom do bacalhau, os sonhos e as rabanadas, os presentinhos. São
gentes sem preocupações e como tal amorais.
Na Austrália morreram três pessoas, duas que estavam a tomar
café na cafetaria errada, e a terceira que sendo bárbara quase não conta como
pessoa.
Lá na Austrália,
comemoram o Natal e todos pensavam que podiam sair à rua tranquilamente para
comprar as figuras do presépio, sem se preocuparem com atentados, que só
acontecem nas localidades em que não se comemora o Natal. Enganam-se.
Na Nigéria raptaram centenas de crianças, estava-se longe da
data do Natal, mas também não teve importância porque já de si e todos os anos
morrem praticamente muitas pessoas sem sequer chegarem a Dezembro. E quem é que
agora, na azáfama de embrulhar os peugos para o avô se lembra de uma coisa
dessas?
Assuntos assim – mal dispostos - nunca deveriam passar na
televisão quando todos estamos concentrados na cadeia do amor que une as
famílias numa quadra que é tão linda. Desfocam, distraem, incomodam a harmonia,
mesmo em passando aos cinquenta e dois minutos de um jornal nacional, no
momento em que se está a lavar a louça e não se vê a notícia.
Público, 18/12
Os carrascos da Humanidade não se preocupam com efemérides. Matam quando lhes apetece.
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