Fome. Não é de pão, se bem esquecidos de uma refeição decente.
Perdeu-se o apetite pela comida porque ela anda arredia. Faz-se
um esforço de Hércules no auto controlo para manter a biologia no seu lugar:
obrigatoriedade de viver porque não há outras oportunidades mais interessantes.
Não é a fome que revolve os interiores, é a escassez de outros
petiscos a cujo preço não se chega.
Esses acepipes são palavras, que têm cores fortes, sons agudos,
ingredientes de conceitos complexos e muito sérios.
Revisite-se o cardápio:
Estima. Haverá fatiota mais galante que esta? Calcorrear a calçada
trajados de limpo? Lustrosos? Sorrir à cara cheia e estar sempre a tirar o
chapéu em mímicas de pantomina aos transeuntes que passam incrédulos pela
calçada? Deixar rasto, a espuma dos dias que passam. É isso, vincar o caminho.
Útil. Todos os parceiros sem deixar de fora quem está sentado nas
margens dos passeios. Dar a mão, receber outra, usar o seu impulso para o
acontecimento de qualquer coisa. A somar as partes, fazer algo.
Energia. Os dias de inanição gastam, esbracejando sem glória,
pelo elementar, pelo básico, pelo mínimo, vão-se as forças no essencial.
Tolerante. Perde-se a vontade de olhar para as pessoas apaixonadamente,
encontra-se defeitos em tudo, nada se desculpa. É o pior sintoma desta estirpe de
anorexia mórbida.
Não se é pobre por ter pouco dinheiro, mas porque baixa a febre
da impotência, que descalcifica os ossos, ataca os músculos, conquista o corpo
para a desistência.
Fica-se coitadinho, exposto a compaixões e penas, dos falsos rosários
de prata a chocalharem no interstício de seios bem nutridos e vicejantes.
Quer-se dignidade – tesouro dos tesouros - porque entre outras
razões que vêm à cabeça, já se pagaram os duodécimos desse manjar.
Oportunidade. Surripiada para os bolsos de outros casacos.
Esperança. É como a fome: não se morre pela sua falta, mas
fica-se mais magro porque não alimenta absolutamente nada. Não tem calorias.
Vergonha. De vocês, abutres diletantes. E por nós, pelos
desabafos, regurgitações da alma que não levam a lado nenhum.
Coragem. Para ajeitar os vossos colarinhos cheios de goma.
Amanhã. Se bater à porta
será um dia como todos os outros, desinteressante.
Parabéns caro Luís, belo texto a fazer-nos reflectir sobre esta data natalícia e a ignorância a que são deixados todos os que não têm razão para festejar o Natal. Um verdadeiro manifesto contra o egoísmo, a ganância dos abutres que governam esta sociedade apodrecida. Bem haja caro Luís! Continue a escrever o que lhe vai na alma precisamos de pessoas com o amigo.
ResponderEliminarPara mim o mais aviltante são os programas de comida gourmet serem apresentados em horas de maior audiência televisiva, enquanto os 'sem eira nem beira' chafurdam nos caixotes de lixo em busca de um naco de nada.
ResponderEliminarObrigado.
ResponderEliminarArlindo peço desculpa só agora responder agradecendo as suas palavras, mas só agora li o seu simpático comentário.