Lá fora chovia e o vento assobiava por entre as frinchas das
telhas.
Os beirais gotejavam num copioso choro sem fim à vista.
As casas não eram tão herméticas e confortáveis como as de
agora.
E, enquanto minha mãe preparava a ansiada ceia, com couves
pencas acompanhando o tradicional bacalhau, mais as batatas e ovos, todos
cozidos num pote de três pernas, meu pai amornava o saboroso vinho tinto do
Douro junto às cinzas quentes da lareira.
Entretanto, as crocantes e saborosíssimas fritas lêvedas,
feitas na sertã postada sobre a trempe no crepitar da lareira, deixavam no ar
um cheiro característico da mistura de açúcar com canela, que eram de comer e
chorar por mais.
E o mesmo adocicado cheiro exalava das deliciosas rabanadas
também confeccionadas pela minha mãe, que Deus lá tem.
E ao serão, chupando coloridos confeitos e jogar ao rapa-tira-põe
e deixa, com a rodopiante piasca, animada pelos nossos dedos?
E o crepitar da lareira que nos aquecia o corpo e
aconchegava a alma, criando figuras fantasmagóricas, animadas e projectadas nas
toscas paredes da cozinha da casa de meus pais?
E o rústico e tradicional presépio que em casa fazíamos,
atapetado com o verde musgo que ia buscar aos campos?
E os toscos e muito usados sapatos que deixava à noitinha
junto à lareira, na esperança que o Menino Jesus neles pusesse algo que me
alegrasse no dealbar do Dia do Natal?
O Pai Natal não existia nesses idos tempos de penúria!
Agora, a penúria é outra e multiforme. É usar e deitar fora
o que ainda tinha serventia. Tudo é descartável e ecologicamente pouco
recomendável.
Mas, tudo passa, restando somente a saudade desses passados
tempos na voragem do tempo.
Oh, Deus meu, como já passou tanto tempo e eu já sem tempo
de voltar a esse tempo da minha (nossa) ingénua meninice!
José Amaral
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