terça-feira, 9 de dezembro de 2014

O GUARDADOR DE QUASE TODOS OS REBANHOS



Imenso, majestoso, trespassando a galeria com olhos que olham para dominar – gumes de faca afiada.

Disse, disse, e não disse nada. Disse pausadamente, soletrando, interpondo intervalos nas palavras. Coloriu a actuação com gestos estudados, tirando os óculos e pondo-os em repouso, ajeitando a simetria das lapelas do casaco chiquíssimo, tudo para distrair atenções.

Pode dizer tudo sem dizer nada, que ninguém lhe chamará a atenção.

....

Havia que ainda há, um pastor dono de quase todos os rebanhos.
O seu rebanho – a perder de vista - são segredos, seus e de outras pessoas. O cajado, a malha com que impõe o silêncio.

Ele é um bom pastor.

Não fosse um exímio guardador de segredos e outras pessoas, e quantas ovelhas não se perderiam, tresmalhadas, indefesas, expostas e frágeis, perante a ferocidade do lobo mau.

O lobo mau sois vós. Sim é verdade! Não julguem que a eterna capa de coitadinhos e desprotegidos vos iliba da maldade que vos consome: quererem a todo momento e instante, a desgraça dos bem sucedidos.

São estes seres desfeados pela lepra da inveja, ansiando por um bom linchamento em praça pública, a cheirar a enxofre, que rondam incessantemente o rebanho.

Este é um pastor em que se pode confiar. Protege o seu rebanho, a menos que de vez em quando se desfaça de um dos seus caprinos – mais fraco – para manter o curral saudável e livrar-se de preocupações.

Esse cabrito indefeso, vai alimentar as feras, saciando pelo seu sangue a paranóia de justiça, que atormenta as suas cabeças doentes. E assim hoje deixa cair um, amanhã outro, e assim seguirá, impoluto e bem sucedido o seu caminho de grande guardador de rebanhos.

Há-de chegar o dia em que o lobo mau (vós!) deixará de atazanar o rebanho, e dará descanso ao pastor, porque este chamará a atenção do lobo para outros rebanhos e assim distrairá a fera.

Ao pastor, os astros que não se enganam, auguram uma vida longa e próspera, apesar das bestas esfaimadas.

Ao lobo – dizem os astros – prenuncia-se que continuará a gozar de má fama, ser mesquinho e esfomeado. 

  

2 comentários:

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