segunda-feira, 28 de abril de 2014

A CRISE, AS NOVAS FAMILIAS “SKYPE” E OUTRAS “LAMECHICES”

Vivemos tempos incertos, tão incertos que a incerteza, é a única certeza que temos.
Esta frase faz-me recuar ao longínquo ano de 2008, quando o espectro da crise já se insinuava apesar de todos assobiarem para o lado, e ao tempo em que já alertava os meus filhos e amigos mais próximos, correndo o risco deles acharem que estava tolinha, que o dicionário profissional das suas vidas teria poucas páginas e duas ou três palavras (curiosamente todas começadas pela mesma letra) iriam ser repetidas “ad aeternum” – incerteza, insegurança, intranquilidade.

Em 2008 fiz uma intervenção pública sobre este tema, cujo enfoque era a preocupação com a eminência de uma crise onde se esboçava uma onda de “nova pobreza” e de “desemprego, com repercussões internas e externas imprevisíveis, se não acauteladas em seu devido tempo. Chamaram-me alarmista e outros “mimos” do género, mas os fatos aí estão a provar que tinha razão.

Não me passando pela cabeça incentivar, ou sequer sugerir, uma nova e intensa vaga de emigração, sempre fui alertando para a necessidade de os jovens e os responsáveis pela sua educação neste país, se prepararem com olhares mais longínquos porque me assustava essa possibilidade. 

Quem sabe, era uma infeliz premonição que me sobrevoava a cabeça, e que infelizmente não demorou assim tanto a chegar, varrendo, em dimensão, despudor e desrespeito todo um povo que, atónito, começou a perceber o desmoronar de um país, sem perceber bem o como e o porquê, mas percebendo e bem, na pele, no bolso, na vida e na alma, as consequências do descalabro, que diga-se de passagem nunca foi nem nunca será bem explicado e está longe de acabar.

 A resposta, essa, a desejada, nunca a teremos, porque os “iluminados” nos acham a todos demasiados “pequenos de mente” para perceber a complexidade do paradigma, mas também e se calhar, porque a verdade é tão escandalosamente “pornográfica”, que assumi-la seria evidenciar um leve esboço de humildade e respeito por este povo, algo que os “iluminados” não podem nem querem demonstrar…pode ser contagioso, não vá o diabo tecê-las, e coloca-os ao nível do comum mortal, de um de nós, algo impensável para a sua condição.

Os que alertaram para a situação (como eu e muitos outros fizeram em 2008) não tinham, infelizmente, nem a capacidade de decisão nem os meios para agir preventivamente, como o caos anunciado fazia prever e o bom senso precaver.
Agora a realidade aí está, e tal como nos casamentos que já acabaram há uma eternidade mas o casal recusa-se a aceitar o óbvio, a bancarrota entrou-nos pela casa dentro, tipo tsunami, e o nosso mundo começou a ruir, arrastando consigo, empresas, famílias, Vidas.

Neste últimos 3 anos já me passaram pela retina vários filmes, cujos com protagonistas, cenários, argumentos e bandas sonoras têm vindo a ser construídos com o sangue suor e lágrimas deste povo que “viveu acima das suas possibilidades “ e agora está em fase de expiação dos seus pecados, sob o olhar atento da “menina dos cinco olhos” (a famosa palmatória para os cotas da minha idade) da Dª troika, secundada pela diligente “Elvira-governo-anta”.

Quando insistentemente nos tentam enfiar a “retoma” pelos olhos adentro, só me apetece perguntar – e as pessoas? E as famílias? No que foi que as transformaram?
Não sabem? Não estão preocupados? Não querem saber … afinal são apenas “danos colaterais”.

Eu sei que não estão minimamente preocupados, até porque como sabemos os estudos do comportamento revelam que o “Poder” provoca alterações na cognição, (nós já tínhamos percebido, tal a diferença de percepção entre os detentores do poder e o vulgo cidadão português),  mas eu estou e respondo a todos aqueles que têm cifrões no lugar dos olhos e “mercados” no lugar do coração : o que fizeram  nestes últimos anos foi matar as famílias deste país, alterando de forma definitiva e se calhar irreversível, a sua estrutura. Com as enormidades das medidas tomadas têm estado a cometer dois “crimes” em simultâneo – destruíram aquilo que há seculos se convencionou denominar família nuclear e mataram o desenvolvimento do nosso país ao transformar este retângulo num canto de “velhos”, longe dos seus afetos.

 É aqui, precisamente aqui, na questão dos afectos e de como a sua gestão é central na estruturação e desenvolvimento da personalidade dos indivíduos e logo, na sua saúde mental. É aqui mesmo, temos o busílis da questão. Família nuclear implica isso mesmo, núcleo, juntos, debaixo do mesmo teto e isso é que definitivamente perde-mos e vamos perdendo cada vez mais a cada dia que passa.

Temos sido quase diariamente esbofeteados com imagens de jovens qualificados que abandonam este país para procurar lá fora as oportunidades que o seu país lhes nega. É doloroso, triste e deixa um sabor amargo na boca de quem vê e imagino, de fel às famílias que vivem na pele esta realidade.
Vou tentar ser ainda mais assertiva: não tenho quaisquer dúvidas da dor que deve atingir uma família que depois de tanto esforço para dar aos seus filhos um futuro, os vê partir, tantas vezes com a quase certeza de que vão com um bilhete só de ida. Deve doer muito… mas, a maioria esmagadora destes jovens parte para iniciar uma vida e só lhes desejo o melhor. Que lutem, tentem ser felizes e vivam aquilo que o vosso país vos negou.
Mas, o que dizer dos da minha geração (50 anos) que são obrigados a partir, de novo, e a deixar para trás uma vida, uma família, responsabilidades, sonhos, sacrifícios, dores; no fundo todas as pequenas e grandes coisas com que vamos tecendo a malha da vida? 
O que dizer destes pais que viram os seus pais imigrar, para lhes dar um futuro que não tiveram e se veem agora na mesma condição, com a vida virada do avesso, o futuro que construíram destruído lentamente ou de supetão, o desemprego a engolir-lhes a vida e a esperança num país onde são velhos para trabalhar, mesmo quando estão, ainda e só, no limiar dos 40 ou dos 50 anos?

Tal como os seus pais e alguns avós, voltam a fazer as malas e a partir… Levam no rosto a tristeza e deixam nas lágrimas a mulher/ marido, os filhos, a casa, os amigos, a família, aquela família que, em praticamente todos os países e culturas é considerada o pilar fundamental do edifício social e comunitário e aqui se descarta de importância, como se nada fosse. Consigo levam, para além da dor, uma vida que será depois “retomada”, se puderem e quando puderem, à distância, filtrada por um telefone, um smartphone, um Ipad, um computador.

Os jovens que partem e estes “velhos “ que também partem, fazem parte das novas famílias – as famílias Skype.
Falam pelo Skype, educam pelo Skype, ralham pelo Skype, choram pelo Skype, amam pelo Skype, vivem em família pelo Skype.
O Skype torna-se o seu melhor amigo e o elo de ligação mais forte com o mundo que deixaram para trás, o seu alimento, a sua força para seguir dia a dia, o seu Xanax.

Os mais cínicos e sei que os há, dirão – muita sorte têm eles porque antigamente tinham as cartas que demoravam semanas a chegar e os telefones de vez em quando. A estes sinceramente nem respondo porque seria indelicada e não é minha intenção, acicatar ânimos ou alimentar polémicas estéreis.
Pretendo apenas chamar a atenção para esta nova realidade que estamos a construir e que vai trazer alterações estruturais profundas na tipologia da família dita nuclear e no tecido social do país, tal como os conhecemos nas últimas décadas.

Portugal vai tornar-se um país de velhos. Os emigrantes, quando regressarem vão encontrar uma família em que ele ou ela (pai ou mãe) deixaram de ter um papel principal, porque não estiveram fisicamente presentes, e são um misto de intruso e ator que lhes aparecia no écran do PC ou do Ipad de vez em quando, para lhes mandar uns beijos, para terem juízo, obedecerem à mãe / pai, estudarem, mas que estava lá longe… porque assim tinha que ser.

 Esta é apenas a visão pragmática deste novo fenómeno que tem consequências brutais, não só ao nível da organização social, mas também ao nível da vivência e da gestão dos afectos.  
Onde encaixar nesta nova realidade, neste monstro que cresce todos os dias, o calor do beijo, a força contagiante de um abraço, o cheiro da pele, a carícia no rosto, o conforto de um colo, ou mesmo a explosão da raiva em confronto direto?
Qual o impacto nas novas gerações desta falência de afectos reais, com cores, cheiros e sabores, na estrutura de personalidade das novas gerações?

Ainda há poucos dias a televisão deu eco a uma realidade que começa a ser preocupante no nosso país - o aumento da depressão infantil e juvenil. Será estranho? Só se for para os senhores e senhores com alterações na dita “cognição básica”.

 Tenho consciência que cada vez mais somos um número e como tal, estas lamechices serão de somenos importância para os decisores políticos, mas não são para mim, porque no dia em que me tornar numa coisa assim, tenho a certeza que terei deixado de ser gente.

Como ainda me prezo e obrigo a ser humana e a Sentir, atrevo-me a dizer que Viver com afectos geridos à distância, é muito pouca Vida e para além disso recuso ver-me e ver-vos a todos como números de um qualquer cartão de cidadão (irónico não, esta do cidadão!!!) – se não fosse trágico até era cómico.
Digo muitas vezes que algo de muito errado se passa no meu país e quanto mais penso, mais me convenço.
Parem, por favor e tentem ver longe, porque se não o fizerem o longe será uma miragem e o médio prazo, um deserto, árido de competências sociais e perdido nos afectos.

Humanidade precisa-se…o mundo está farto de dar sinais, mas a cegueira sobrepõe-se e continua a imperar.
Pelos vistos, o problema está nas diferenças de percepção da cognição básica – apetece-me dizer…só me gozam!!!  
Fica o meu “pequeno” grito, na esperança que faça eco…


Graça Costa

4 comentários:

  1. Também não sou fã desta skypemania. Já sou de outro mundo.
    Fique bem, Graça Costa

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  2. Não é nada de outro mundo - é deste mas é selectivo e provavelmente, como eu, prefere sempre que possível o contacto pessoal - olhos nos olhos, pele com pele.
    Não sou contra o Skype, longe disso, até porque para muitas famílias, infelizmente hoje é a única forma de manterem contacto, mas tenho a certeza que esta realidade terá consequências nefastas na gestão dos afectos e na forma como as pessoas se relacionam e como não vejo ninguém a preocupar-se com isto, achei que devia " levantar a lebre".

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  3. Humanidade, precisa-se, e muito!!
    Obrigada, Graça.

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  4. Eu é que agradeço a oportunidade de me deixarem participar no vosso blog , Ceú.
    Bem haja.

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