Vivemos tempos incertos, tão
incertos que a incerteza, é a única certeza que temos.
Esta frase faz-me recuar ao
longínquo ano de 2008, quando o espectro da crise já se insinuava apesar de
todos assobiarem para o lado, e ao tempo em que já alertava os meus filhos e
amigos mais próximos, correndo o risco deles acharem que estava tolinha, que o
dicionário profissional das suas vidas teria poucas páginas e duas ou três palavras
(curiosamente todas começadas pela mesma letra) iriam ser repetidas “ad
aeternum” – incerteza, insegurança, intranquilidade.
Em 2008 fiz uma intervenção
pública sobre este tema, cujo enfoque era a preocupação com a eminência de uma
crise onde se esboçava uma onda de “nova pobreza” e de “desemprego, com
repercussões internas e externas imprevisíveis, se não acauteladas em seu
devido tempo. Chamaram-me alarmista e outros “mimos” do género, mas os fatos aí
estão a provar que tinha razão.
Não me passando pela cabeça
incentivar, ou sequer sugerir, uma nova e intensa vaga de emigração, sempre fui
alertando para a necessidade de os jovens e os responsáveis pela sua educação
neste país, se prepararem com olhares mais longínquos porque me assustava essa
possibilidade.
Quem sabe, era uma infeliz
premonição que me sobrevoava a cabeça, e que infelizmente não demorou assim
tanto a chegar, varrendo, em dimensão, despudor e desrespeito todo um povo que,
atónito, começou a perceber o desmoronar de um país, sem perceber bem o como e
o porquê, mas percebendo e bem, na pele, no bolso, na vida e na alma, as
consequências do descalabro, que diga-se de passagem nunca foi nem nunca será
bem explicado e está longe de acabar.
A resposta, essa, a desejada, nunca a teremos,
porque os “iluminados” nos acham a todos demasiados “pequenos de mente” para
perceber a complexidade do paradigma, mas também e se calhar, porque a verdade
é tão escandalosamente “pornográfica”, que assumi-la seria evidenciar um leve
esboço de humildade e respeito por este povo, algo que os “iluminados” não
podem nem querem demonstrar…pode ser contagioso, não vá o diabo tecê-las, e
coloca-os ao nível do comum mortal, de um de nós, algo impensável para a sua
condição.
Os que alertaram para a situação
(como eu e muitos outros fizeram em 2008) não tinham, infelizmente, nem a
capacidade de decisão nem os meios para agir preventivamente, como o caos
anunciado fazia prever e o bom senso precaver.
Agora a realidade aí está, e tal
como nos casamentos que já acabaram há uma eternidade mas o casal recusa-se a
aceitar o óbvio, a bancarrota entrou-nos pela casa dentro, tipo tsunami, e o
nosso mundo começou a ruir, arrastando consigo, empresas, famílias, Vidas.
Neste últimos 3 anos já me
passaram pela retina vários filmes, cujos com protagonistas, cenários,
argumentos e bandas sonoras têm vindo a ser construídos com o sangue suor e
lágrimas deste povo que “viveu acima das suas possibilidades “ e agora está em
fase de expiação dos seus pecados, sob o olhar atento da “menina dos cinco
olhos” (a famosa palmatória para os cotas da minha idade) da Dª troika,
secundada pela diligente “Elvira-governo-anta”.
Quando insistentemente nos tentam
enfiar a “retoma” pelos olhos adentro, só me apetece perguntar – e as pessoas?
E as famílias? No que foi que as transformaram?
Não sabem? Não estão preocupados?
Não querem saber … afinal são apenas “danos colaterais”.
Eu sei que não estão minimamente
preocupados, até porque como sabemos os estudos do comportamento revelam que o
“Poder” provoca alterações na cognição, (nós já tínhamos percebido, tal a
diferença de percepção entre os detentores do poder e o vulgo cidadão português), mas eu estou e respondo a todos aqueles que
têm cifrões no lugar dos olhos e “mercados” no lugar do coração : o que fizeram
nestes últimos anos foi matar as
famílias deste país, alterando de forma definitiva e se calhar irreversível, a
sua estrutura. Com as enormidades das medidas tomadas têm estado a cometer dois
“crimes” em simultâneo – destruíram aquilo que há seculos se convencionou
denominar família nuclear e mataram o desenvolvimento do nosso país ao
transformar este retângulo num canto de “velhos”, longe dos seus afetos.
É aqui, precisamente aqui, na questão dos
afectos e de como a sua gestão é central na estruturação e desenvolvimento da
personalidade dos indivíduos e logo, na sua saúde mental. É aqui mesmo, temos o
busílis da questão. Família nuclear implica isso mesmo, núcleo, juntos, debaixo
do mesmo teto e isso é que definitivamente perde-mos e vamos perdendo cada vez
mais a cada dia que passa.
Temos sido quase diariamente
esbofeteados com imagens de jovens qualificados que abandonam este país para
procurar lá fora as oportunidades que o seu país lhes nega. É doloroso, triste
e deixa um sabor amargo na boca de quem vê e imagino, de fel às famílias que
vivem na pele esta realidade.
Vou tentar ser ainda mais
assertiva: não tenho quaisquer dúvidas da dor que deve atingir uma família que
depois de tanto esforço para dar aos seus filhos um futuro, os vê partir,
tantas vezes com a quase certeza de que vão com um bilhete só de ida. Deve doer
muito… mas, a maioria esmagadora destes jovens parte para iniciar uma vida e só
lhes desejo o melhor. Que lutem, tentem ser felizes e vivam aquilo que o vosso
país vos negou.
Mas, o que dizer dos da minha
geração (50 anos) que são obrigados a partir, de novo, e a deixar para trás uma
vida, uma família, responsabilidades, sonhos, sacrifícios, dores; no fundo
todas as pequenas e grandes coisas com que vamos tecendo a malha da vida?
O que dizer destes pais que viram
os seus pais imigrar, para lhes dar um futuro que não tiveram e se veem agora
na mesma condição, com a vida virada do avesso, o futuro que construíram
destruído lentamente ou de supetão, o desemprego a engolir-lhes a vida e a
esperança num país onde são velhos para trabalhar, mesmo quando estão, ainda e
só, no limiar dos 40 ou dos 50 anos?
Tal como os seus pais e alguns
avós, voltam a fazer as malas e a partir… Levam no rosto a tristeza e deixam nas
lágrimas a mulher/ marido, os filhos, a casa, os amigos, a família, aquela
família que, em praticamente todos os países e culturas é considerada o pilar
fundamental do edifício social e comunitário e aqui se descarta de importância,
como se nada fosse. Consigo levam, para além da dor, uma vida que será depois
“retomada”, se puderem e quando puderem, à distância, filtrada por um telefone,
um smartphone, um Ipad, um computador.
Os jovens que partem e estes
“velhos “ que também partem, fazem parte das novas famílias – as famílias
Skype.
Falam pelo Skype, educam pelo
Skype, ralham pelo Skype, choram pelo Skype, amam pelo Skype, vivem em família
pelo Skype.
O Skype torna-se o seu melhor
amigo e o elo de ligação mais forte com o mundo que deixaram para trás, o seu
alimento, a sua força para seguir dia a dia, o seu Xanax.
Os mais cínicos e sei que os há,
dirão – muita sorte têm eles porque antigamente tinham as cartas que demoravam
semanas a chegar e os telefones de vez em quando. A estes sinceramente nem
respondo porque seria indelicada e não é minha intenção, acicatar ânimos ou
alimentar polémicas estéreis.
Pretendo apenas chamar a atenção
para esta nova realidade que estamos a construir e que vai trazer alterações
estruturais profundas na tipologia da família dita nuclear e no tecido social do
país, tal como os conhecemos nas últimas décadas.
Portugal vai tornar-se um país de
velhos. Os emigrantes, quando regressarem vão encontrar uma família em que ele
ou ela (pai ou mãe) deixaram de ter um papel principal, porque não estiveram
fisicamente presentes, e são um misto de intruso e ator que lhes aparecia no
écran do PC ou do Ipad de vez em quando, para lhes mandar uns beijos, para
terem juízo, obedecerem à mãe / pai, estudarem, mas que estava lá longe… porque
assim tinha que ser.
Esta é apenas a visão pragmática deste novo
fenómeno que tem consequências brutais, não só ao nível da organização social,
mas também ao nível da vivência e da gestão dos afectos.
Onde encaixar nesta nova
realidade, neste monstro que cresce todos os dias, o calor do beijo, a força
contagiante de um abraço, o cheiro da pele, a carícia no rosto, o conforto de
um colo, ou mesmo a explosão da raiva em confronto direto?
Qual o impacto nas novas gerações
desta falência de afectos reais, com cores, cheiros e sabores, na estrutura de
personalidade das novas gerações?
Ainda há poucos dias a televisão
deu eco a uma realidade que começa a ser preocupante no nosso país - o aumento
da depressão infantil e juvenil. Será estranho? Só se for para os senhores e
senhores com alterações na dita “cognição básica”.
Tenho consciência que cada vez mais somos um
número e como tal, estas lamechices serão de somenos importância para os
decisores políticos, mas não são para mim, porque no dia em que me tornar numa
coisa assim, tenho a certeza que terei deixado de ser gente.
Como ainda me prezo e obrigo a
ser humana e a Sentir, atrevo-me a dizer que Viver com afectos geridos à
distância, é muito pouca Vida e para além disso recuso ver-me e ver-vos a todos
como números de um qualquer cartão de cidadão (irónico não, esta do cidadão!!!)
– se não fosse trágico até era cómico.
Digo muitas vezes que algo de
muito errado se passa no meu país e quanto mais penso, mais me convenço.
Parem, por favor e tentem ver
longe, porque se não o fizerem o longe será uma miragem e o médio prazo, um
deserto, árido de competências sociais e perdido nos afectos.
Humanidade
precisa-se…o mundo está farto de dar sinais, mas a cegueira sobrepõe-se e
continua a imperar.
Pelos vistos, o
problema está nas diferenças de percepção da cognição básica – apetece-me
dizer…só me gozam!!!
Fica o meu “pequeno” grito, na
esperança que faça eco…
Graça Costa
Também não sou fã desta skypemania. Já sou de outro mundo.
ResponderEliminarFique bem, Graça Costa
Não é nada de outro mundo - é deste mas é selectivo e provavelmente, como eu, prefere sempre que possível o contacto pessoal - olhos nos olhos, pele com pele.
ResponderEliminarNão sou contra o Skype, longe disso, até porque para muitas famílias, infelizmente hoje é a única forma de manterem contacto, mas tenho a certeza que esta realidade terá consequências nefastas na gestão dos afectos e na forma como as pessoas se relacionam e como não vejo ninguém a preocupar-se com isto, achei que devia " levantar a lebre".
Humanidade, precisa-se, e muito!!
ResponderEliminarObrigada, Graça.
Eu é que agradeço a oportunidade de me deixarem participar no vosso blog , Ceú.
ResponderEliminarBem haja.