*Cristiane Lisita
Outono
silencioso. Onde estão os galos de outrora? Por que não cantam neste quintal?
Abandonaram-se às tempestades da ventania, sucumbindo o dourado do arrozal? E o
céu soçobrando no cinéreo das nuvens, petúnias se despetalando além dos troncos
caídos. Onde estão os galos de outrora? Quiçá
em seus poleiros onde as sombras se agigantam sob a luz soturna caiada neste
momento.
Outono
silencioso. Nos musgos serpenteando as entranhas do muro e das penas, demudando
em frangalhos seus corações de galos. Onde foi o albor desse solo fecundo? Quiçá
nesta travessia infindável, desta hora consternada, na dualidade do voejo e do
salto e o arrebate das asas, agora, cortadas. Onde
estão os galos de outrora? Que já não ostentam o vermelho escarlate das suas
cristas, alcançado nas batalhas históricas a sobrestarem noites quase sem
termo.
Outono
silencioso. Num cucuritar percorrendo veias e centelhas da alma. Um esporão
agudo, uma excrecência óssea almejando se alçar, daquelas proas verdejantes e o
prenúncio de algo a abalroar. Onde estão
os galos de outrora? Cujos bicos afiados e emudecidos denunciam as brechas num
outro costado.
Outono
silencioso. Escavacado num relampejar de fé. Um insólito estalido raiando lá
fora. Onde estão os galos de outrora?
Quiçá
sob os olhares da raposa que espreita e não esmaece, aceirando taciturna. Desconhece
ela os galos que jazem naqueles territórios. Não hão de se abater, nem se
confinar. Quiçá um galo desperte e comece
a clarinar. “Mas, um galo sozinho não tece um amanhã”.
Cantaria o poeta João Cabral de Melo Neto: “Ele
precisará sempre de outros galos. De um que apanhe esse grito e o lance a
outro; de outro galo que apanhe o grito de um galo antes e o lance a outro; e
de outros galos que com muitos outros galos se cruzem os fios de sol de seus
gritos de galo, para que o amanhecer, desde uma teia tênue, se vá tecendo,
entre todos os galos”. Outono silencioso.
(Cristiane Lisita: jornalista, advogada, escritora)
Que o nosso grito ecoe!
ResponderEliminarParabéns pela sensibilidade poética e pelo estalido à nossa consciência.