A recente vaga de pedidos de desculpa feitos por governantes
incompetentes apanhou a opinião pública de surpresa. Paula Teixeira da Cruz e
Nuno Crato encenaram actos de contrição nada convincentes e, assim, sacudiram a
água dos capotes que os protegem das consequências que deveriam suportar pela
sua falta de visão técnica e política.
O caso do ministro da educação é eloquente; depois de, mais uma vez,
ter obrigado as escolas a abrir as portas sem os professores necessários ao seu
bom funcionamento, deixando todos os que nelas trabalham à beira de um ataque
de nervos, Nuno Crato pediu desculpas “aos pais, aos professores e ao país”. O ministro
deixou de fora uma referência directa aos alunos, a esses não sentiu
necessidade de se desculpar. Quererá isto significar que, na perspectiva do
ministério e do seu máximo responsável, os alunos são actores dispensáveis ou,
pelo menos, meros figurantes? Será porque, na sua esmagadora maioria, são
cidadãos de menoridade e, como tal, não têm direito a voto, não sendo por isso
urgente “passar-lhes a mão pelo pêlo”? Ou terá havido apenas um compreensível
esquecimento numa situação caótica e aflitiva? Na verdade, vendo bem, quem aumenta
o número de alunos por turma com o argumento de que isso contribui para
melhorar as suas condições de aprendizagem, ou que, em situação de exame, tudo
faz para que alunos com necessidades educativas especiais sejam tratados como
se nada de especial se passasse, não parece morrer de amor pelos infantes.
Intriga-me que a paranóia avaliativa do ministro seja aplicada a todos,
alunos e professores, com uma autoridade implacável, quase divina e que, quando
se trata de avaliar o próprio trabalho, cuja qualidade assenta, sobretudo, na
capacidade de liderança, haja esta benevolência beatífica, este redentor perdão
de confessionário. O que justifica uma mão tão pesada para os outros e tão leve
para o próprio? Não me atrevo a responder para não cair em juízos de valor
errados mas a dúvida corrói a minha boa vontade.
Senhor ministro peça desculpas, também, aos alunos, vá lá! Peça-lhes
desculpas por mais um início de ano lectivo destrambelhado, pela sua reiterada incapacidade
de antecipar o óbvio e por tudo o resto, o senhor sabe bem. Pedir desculpas aos
professores… sinceramente, senhor ministro: obrigadinhos, mas nós preferíamos primeiro
competência e, depois, o tal rigor implacável. O senhor anda a trocar a ordem
dos factores e a fórmula, quando aplicada, revela-se uma desgraça. A vida real
é muito mais que teoria.
Carta enviada à Directora do jornal Público
Enviada e publicada hoje!!
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