O amigo
regulador tem um amigo, dono até há pouco tempo de um pequeno negócio de lucro
escasso e muita chatice. Uma loja de câmbios no túnel da estação de comboios da
Amadora.
Ora este amigo foi saneado porque
aparentemente tirou uma nota de 100 rublos para pagar uma cerveja no boteco da
esquina e pediu ao contabilista para diluir esse empréstimo nas contas
criativas do fim do mês.
O homem
teria bebido as suas cervejas, e a coisa morria aí, não fosse o terrível
problema da inveja. Os primos e as tias descobriram a marosca e puseram a
notícia no jornal local: só para achicalhar, que nos meios pequenos toda a
gente se conhece.
Dado o grande apreço, respeito e favores que o
amigo regulador nutre pelo comerciante, e por indicação do seu superior,
aconselhou o homem a ir de férias por uns tempos, colocando um amigo em
substituição, para dar a imagem aos clientes e à família que sendo este
abstémio, nunca mais desapareceriam rublos para pagar cervejas no boteco da
esquina.
Mas
trabalhar numa loja de câmbios por debaixo de uma estação de caminhos de ferro,
é um trabalho esgotante: o passar contínuo das carruagens, a trepidação, o
ruído, desconcentraram-no nas contas dos câmbios, e este não aguentou a pressão.
Desistiu.
O regulador,
ele próprio a ficar já desregulado, pôs-se nos sapatos e foi a casa do homem da
loja de câmbios.
Encontrou-o
cabisbaixo, ressequido, a marinar os olhos mortiços no símbolo colado ao peito
da sua camisola “polo”: uma coroa de
louros.
- Amigo (…)
venho visitá-lo, a saber como anda, e mais até porque me lembrei, para o tirar
de casa que não lhe faz nada bem, de o convidar a tomar conta de uma pequena
loja de câmbios de um amigo meu, ali mesmo na Amadora.
-Então o
amigo já se esqueceu que essa loja é minha e fui eu quem foi saneado vai para
dois meses, por si mesmo?
-Onde anda com essa cabeça homem?
Ao que o
amigo regulador que se sente pouco à vontade nestas famílias de pergaminhos,
respondeu:
- Não faz
mal amigo, se a loja é sua, volte, que os clientes e os passantes já não se
lembram de si! Fica tudo como antes.
O homem
aceitou e foi, só que foi uma carga de trabalhos para o tirar de casa: ele
estava preso à perna da secretária por uma corrente de ferro e uma pulseira no tornozelo,
com uma luz incorporada a piscar, e teve que sair pela janela, porque a mesa
não passava na porta.
Mas lá foi,
a arrastar-se, mas foi trabalhar.
Uma aventura um pouco salgada, mas possível de aceitar e compreender e, com um pouco de espírito inventivo, encartá-la num espaço de realidade.
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