Assisto ao parto, infelizmente a mãe não sobreviveu.
Como todos os recém nascidos está débil, vulnerável,
assustado, tremulo, procura refúgio encostando-se a mim, olhando para cima,
fixa o seu olhar no meu rosto como se estivesse pedindo piedade.
_Ó cachopa toma conta do bicho, dá-lhe um biberão de leite
algumas vezes por dia, não o deixes morrer, pois ainda vai dar muito dinheiro,
para prejuízo já chega a vaca da mãe.
_Tinha onze anos poucas vezes o meu pai falava-me, fiquei
contente.
Passou a ser o meu bebé que eu cuidava, brincava nos campos
verdejantes, dava-me turras com o seu corpo coberto de pelo preto, macio e
luzidio, com o tempo foi crescendo, mas ele reconhecia-me ao longe, fui a mãe
que nunca teve.
Alguns anos depois, meu pai leva-me pala primeira vez a uma
tourada, era adolescente, estava renitente devido a alguns comentários que
tinha ouvido mas com receio da reação dele anui.
Quando o touro é solto na arena, reconheci logo o meu bebé,
o meu bebé grande, suspendi a respiração, tive o pressentimento que algo de
tenebroso ia acontecer.
A tourada começa com a lide a cavalo, durante a qual o
cavaleiro começa por cravar no dorso do touro um número variável de farpas
(ferros), com o decorrer do tempo o animal perde muito sangue devido às
lacerações na carne, o ritmo cardíaco aumenta drasticamente e enfraquece
progressivamente, por esta razão segue-se a pega, um grupo de oito homens,
(forcados) tentam agarrar e imobilizar o touro, provocando o agudizar do
sofrimento do animal.
Como se já não bastasse, segue-se a lide a pé em que o protagonista
(bandarilheiro) crava no dorso do animal vários ferros (bandarilhas), nesta
altura a parte de cima do animal esta dilacerada com tantos golpes que cortam
músculos, tendões, nervos e chegam a atingir a estrutura óssea, com a perda
abundante de sangue e dor, o touro entra numa fase de atordoamento ou delírio,
não sabendo para onde se dirigir, ficando estático, o sofrimento é descomunal,
impossível quantifica-lo, mas suponha que estas sevicias eram praticadas em si,
por muito corpulento e resistente que fosse, aguentaria no máximo escassos
minutos ou nem tanto, pois tão horrendo é o sofrimento que morreria muito
provavelmente de ataque cardíaco.
O meu bebé grande cai parcialmente, dobrando os joelhos das
pernas da frente, é arrastado para o exterior da arena, deixa um rasto de
sangue, corro ao encontro dele, agonizante, o meu bebé grande sabe que lhe faço
festas na cabeça, completamente retalhado e ensanguentado nas costas, sangrando
pelas narinas, com a língua fora da boca espumando e sangrando, os olhos
parcialmente fechados, o brilho do seu olhar apagou-se, o meu bebé grande
deixou-me.
Porquê? Que mal fez o meu bebé para sofrer tanto, só sinto
morte e ódio á minha volta, não aguento mais, fujo para casa, escondo-me no meu
quarto.
Á noite ouço o meu pai a chegar, provavelmente alcoolizado,
trata mal a minha mãe, mais uma vez.
_A tua filha?
_Ela foi contigo.
_Foi comigo, mas desapareceu, a cachopa é outra inútil como
tu que nem consegue parir um filho, a quem vou deixar o negócio, a uma mulher,
puta de merda, com tantas mulheres no mundo deixei-me embruxar por esta mula.
Passados cinco anos ele assassina a minha mãe com uma espada
igual á que os toureiros usam para matar os touros na arena tentando
atingir-lhe o coração.
Quando ele morreu, olhei para ele dentro do caixão, senti que
estava num deserto sem fim a olhar par uma pedra, apenas uma pedra.
Não permiti que fosse sepultado na campa da minha mãe, seria
imoral juntar na morte o que sempre viveu separado, não consigo perdoar.
Acabei com este macabro negocio, tenho protegido animais
abandonados e maltratados.
Estou velha e cansada, sinto que pouco tempo me resta,
lembro-me da minha querida mãe, que se sacrificou por mim, do meu querido bebé
grande, ambos vítimas da violência que só tem um nome: ódio.
Por tudo quanto têm de mais sagrado, não permitam mais isto,
mais não.
Com amizade.
Araujo.
um GRANDE abraço!
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