domingo, 28 de setembro de 2014

MANIFESTO DA MANIFESTAÇÃO



Nós, os nossos,  os que são Portugal, manifestam-se todos os dias.

Manifestam-se e revoltam-se para as suas entranhas, porque são gente boa, recatada, não atira para a rua as migalhas da toalha da mesa do jantar.

Mas não há dúvida que todos os dias se revoltam. Entreportas, quando assistem impotentes ao rol de aldrabices nos jornais televisivos, descarregam as azias da bílis no mercado da fruta, no café do bairro, no jardim onde jogam à “sueca”.

 Sempre em banho maria.

Outros em grupos tímidos, e quando se tomam coragem, encostam-se à porta dos ministérios e nos locais duvidosos por onde passam os ministros e presidentes medrosos, protegidos pelos rottweiler cuja ração pagamos dos nossos bolsos.

E tímidos mas corajosos entoam os seus cânticos de intervenção, sons que são abafados pelo tráfego rodoviário.

Se todas essas formas de manifestação – num único dia que fosse – se encontrassem umas com as outras, todas ao mesmo tempo e no mesmo local, num ajuntamento de toda a gente, massivo, avassalador, decisivo, conseguiam um ruído tão intenso e ensurdecer, que paralisaria a escumalha dos falsificadores de palavras e sonhos e dos carteiristas impunes.

E a seguir, o que aconteceria?

“Seria o grande vazio”, dizem alguns. “Quem temos para substituir a escumalha?”, interrogam-se  outros. “Não! A nova alternativa socialista é a solução! As coisas podem mudar!”, sussurram  uns tantos. Alguns poucos e dementes afirmariam a pés juntos, quase rezando: ” não Senhor, as coisas já estão a melhorar, eles fizeram um bom trabalho, e como veem já estão a dar dinheiro ao povo”.

Palavras, palavras, e inanição.

Esse acontecimento decisivo não vai ser possível. Todas essas manifestações quotidianas de desconforto não passam de um não fazer nada melancólico, uma ausência de vontade de nada, queixumes fatalistas inconsequentes.

Somos assim, a deitar compulsivamente pirolitos para a cara. Não há volta nem reviravolta nesta história.

Os verdadeiramente dispensáveis partem-se a rir à tripa forra, com a facilidade com que nos deixamos governar.

Quando alguém é violentado, espera-se que no mínimo se debata, mais não seja pela dor que a penetração causa.

Mas parece ser que esta gente gosta de ser violada, seja porque se identifica com o violador, seja porque não lhe doí, seja porque é simplesmente assim: simples, no que de mais triste faz a significação desta palavra.


Será uma forma enviesada de prazer? 

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