Nós, os
nossos, os que são Portugal, manifestam-se todos os dias.
Manifestam-se
e revoltam-se para as suas entranhas, porque são gente boa, recatada, não atira
para a rua as migalhas da toalha da mesa do jantar.
Mas não há
dúvida que todos os dias se revoltam. Entreportas, quando assistem impotentes ao
rol de aldrabices nos jornais televisivos, descarregam as azias da bílis no
mercado da fruta, no café do bairro, no jardim onde jogam à “sueca”.
Sempre em banho maria.
Outros em
grupos tímidos, e quando se tomam coragem, encostam-se à porta dos ministérios
e nos locais duvidosos por onde passam os ministros e presidentes medrosos,
protegidos pelos rottweiler cuja ração
pagamos dos nossos bolsos.
E tímidos
mas corajosos entoam os seus cânticos de intervenção, sons que são abafados
pelo tráfego rodoviário.
Se todas
essas formas de manifestação – num único dia que fosse – se encontrassem umas
com as outras, todas ao mesmo tempo e no mesmo local, num ajuntamento de toda a
gente, massivo, avassalador, decisivo, conseguiam um ruído tão intenso e
ensurdecer, que paralisaria a escumalha dos falsificadores de palavras e sonhos
e dos carteiristas impunes.
E a seguir,
o que aconteceria?
“Seria o
grande vazio”, dizem alguns. “Quem temos para substituir a escumalha?”,
interrogam-se outros. “Não! A nova
alternativa socialista é a solução! As coisas podem mudar!”, sussurram uns tantos. Alguns poucos e dementes afirmariam
a pés juntos, quase rezando: ” não Senhor, as coisas já estão a melhorar, eles
fizeram um bom trabalho, e como veem já estão a dar dinheiro ao povo”.
Palavras,
palavras, e inanição.
Esse
acontecimento decisivo não vai ser possível. Todas essas manifestações
quotidianas de desconforto não passam de um não fazer nada melancólico, uma
ausência de vontade de nada, queixumes fatalistas inconsequentes.
Somos assim,
a deitar compulsivamente pirolitos para a cara. Não há volta nem reviravolta
nesta história.
Os verdadeiramente
dispensáveis partem-se a rir à tripa forra, com a facilidade com que nos deixamos
governar.
Quando
alguém é violentado, espera-se que no mínimo se debata, mais não seja pela dor
que a penetração causa.
Mas parece
ser que esta gente gosta de ser violada, seja porque se identifica com o violador,
seja porque não lhe doí, seja porque é simplesmente assim: simples, no que de
mais triste faz a significação desta palavra.
Será uma
forma enviesada de prazer?
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.