quinta-feira, 20 de dezembro de 2018


No reino da hipocrisia...


“Os beberetes das embaixadas são um mal necessário do ofício. Põem à prova a memória, a cerimónia e a digestão. Dão azo a escândalos, a disputas e a ciúmes por parte das mulheres. Ainda não encontrei um único diplomata que gostasse realmente deles e, todavia, ninguém descobriu um meio melhor para a troca de palpites, alusões, subentendidos e negócios à margem, que constituem o dialeto oficial da diplomacia.

Porque é natural mostrarmo-nos maçados, podemos simplesmente ignorar o que não queremos ouvir. Temos que nos movimentar, porque é da praxe, portanto é sempre possível escapar a uma negociata ou a uma discussão. Este tipo de festas acontece sempre no fim de um dia de trabalho, pelo que temos o direito de estar cansados e de nos retirarmos para um canto, a fim de concluír um negócio ou resolver uma disputa.

Mas, mesmo nesta teia de costumes e convenções, existem algumas variantes com interesse. Os franceses, por exemplo, cultivam o humor e a moda, mas têm tendência para se atulharem com os aperitivos e com as bebidas. Os indianos servem coisas intragáveis e a sua conversa ou é impertinente ou de uma seriedade que aborrece. Os suecos, quando sóbrios, são muito formais e os japoneses, que bebem com dignidade numa festa de gueixas, podem transformar num instante um beberete num drama. Os tailandeses são delicados, bem humorados e diabolicamente fugidios, enquanto os americanos são fluentes, volúveis e surdos como uma porta quando é preciso.

Os sul-americanos são tão incrivelmente elegantes, que desconfiamos que gastam a nossa ajuda financeira a vestir as suas mulheres e as suas amantes. Só os ingleses conseguiram fazer da maçada uma arte e das meias frases uma literatura. A comida é medíocre, as bebidas são fracas e o acolhimento pouco expansivo. Não se chega às suas festas, cai-se nelas. Não se fala, cavaqueia-se. Não nos dão mimos, mas também nunca nos sentimos desconfortáveis, pelo que, no fim do serão, é muito fácil ceder à ilusão de familiares e contar segredos de estado a uma beldade fria, de seio nobre e um sorriso de Mona Lisa”...

Nota - Texto transcrito do livro anexo.


Amândio G. Martins

2 comentários:

  1. Não conhecia este livro deste autor. Acho que há outro com título similar ( de Erico veríssimo?). Mas o texto transcrito é muito interessante e descrito cpm precisão. Em jeito de historieta ,aqui vai.Em 1981, aquando duma bolsa de estudo que tive em Bona, antiga RFA, fiz amizade com diversos assessores da embaixada de Portugal. Um deles e a esposa, convidaram-me para um jantar em casa deles, que "imitava" as referida reuniões mundanas acima descritas. Fiquei numa mesa de quatro onde a conversa era "cautelosa" dado o tom "diplomático" que imperava. isto até que uma senhora turca, esposa dum diplomata daquele país, se lembrou de me perguntar qual era o meu cargo na embaixada... Nenhum, respondi eu. Sou somente médico bolseiro e amigo dos anfitriões. Logo o clima se modificou e a conversa fluiu desinibida pois descobriu-se que eu não era uma uma "sinistra personagem" de John le Carré...

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  2. É verdade que, da vasta obre de Erico Veríssimo, consta um livro com um título semelhante: "O Senhor Embaixador".
    Quanto a Morris West, este australiano passou muito tempo na Europa, sobretudo em Inglaterra e Itália onde, como jornalista, foi correspondente junto do Vaticano, onde se inspirou para escrever "O Advogado do Diabo" e "Os Palhaços de Deus"; deixou uma obra notável, tendo "O Advogado do Diabo" e "As Sandálias do Pescador" passado ao cinema...

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