Na verdade, eu sou daqueles que
pensam que todo o programa de Passos Coelho e sua equipa passava,
invariavelmente, por uma efetiva alteração do paradigma socioeconómico, o qual se
encontrava, unívoca e estafadamente, ligado a uma redução da despesa do Estado.
Por conseguinte, não se afigura necessário a proclamação insidiosa da aplicação
do documento da Troika, assinado há dois anos, pois este, quando convém, é
alterado sem pruridos de grande monta. Veja-se, por exemplo, o caso da
educação.
Há, com efeito, uma comutação
silenciosa em curso, a qual não passa, absolutamente, pela qualidade do ensino.
É claro que o ministro Crato pode afirmar o contrário, que tudo passa para
conferir à escola pública uma maior projeção qualitativa, mas o que resulta das
suas afirmações é pura falsidade política e até intelectual. Nuno Crato sabe
muito bem a matéria-prima que tem à frente: uma classe amorfa e assustada e
sindicatos levianos, cada vez mais ligados a uma realidade que não é a sua. Não
admira, por isso, que os cortes neste ministério estejam, orgulhosamente, mais
para além do que era preconizado pelo memorando de há dois anos.
Esta ideia tristemente prodigiosa
de permitir ao privado entrar, sob o falseado signo de uma liberdade de escolha,
por parte dos encarregados de educação, na escola pública é um verdadeiro
retrocesso no ensino, em Portugal. E é-o porque estamos perante duas realidades
educativas distintas, uma de cariz obrigacionista e outra mercantilista, embora
esta última esteja escudada na diáfana mas sempre oportuna capa protecionista do
Estado. Do mesmo modo, as escolas privadas não vão querer, naturalmente, entrar
num quadro educativo que tem como base os princípios republicanos do livre
acesso de todos à educação. De todos, sem exceção. É um pouco como o resultado
das parcerias público-privadas que nos têm ajudado na nossa paulatina imersão
financeira: privatização dos lucros; estatização dos prejuízos. Até porque,
sendo o ensino particular e cooperativo parte integrante da rede escolar
nacional, é regido por legislação e estatuto próprios, tendo em conta a Lei de Bases do Sistema Educativo. Daí
que não entenda como é que o estatuto próprio de algumas escolas privadas – o
qual pode passar, por exemplo, por uma matriz católica – se possa enquadrar no
financiamento direto por parte do Estado que – note-se neste exemplo trazido
aqui à colação – é laico. Porém, o que paira na cabeça dos governantes desagua
invariavelmente na fria aritmética. Adrede, uma coisa se afigura certa: a
escola pública não vai necessitar de alguns milhares de professores, pois estes
migrarão, naturalmente, para o outro lado, cada vez mais oportunista, do ensino
privado. E isso é, sem dúvida, uma excelente notícia para o ministro Nuno
Crato.
Entretanto, o ensino superior
registou, este ano, um decréscimo de alunos caloiros, para valores do princípio
do século. A este propósito, o retrocesso não é, obviamente, contabilístico. Os
números representam, fundamentalmente, um retrato social.
Lamentavelmente, há quem teime, “sem
ironias e cansaços”, apelidar isto de reforma do ensino.
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