Reino velho sem emenda
O professor António Borges
Coelho, no ano de 1976, publicou um livro de crónicas, que titulou “Reino Velho
com Emenda”.
Homem de um saber imensurável,
intelectual da mais elevada craveira, cidadão responsável e impoluto, nesta
obra expressava as suas críticas a uma sociedade encaminhada apenas na
finalidade do lucro fácil, desprovida de interesse pelos princípios da justiça
social e do respeito pelos valores da cidadania. Borges Coelho, pelo título do
livro, acreditava na redenção, porque antevia que os erros, que desde há muito
se vinham cometendo, fossem emendados. Tive o privilégio de ter sido seu aluno
na Faculdade de Letras e mais tarde, quando fiz o mestrado em História Política
e Social, voltei a cruzar-me com ele, porque fazia parte do júri.
Quando, Borges Coelho, nessa
data, utilizou a preposição com, o país
ainda navegava, com mais ou menos atropelos, num mar de esperança. Passados
quase quatro décadas, com a sucessão de casos, que sucedem diariamente no nosso
país, protagonizados, ao mais alto nível, por políticos e afins, onde a
ausência de vergonha predomina, esse homem de carácter, no título do livro
utilizaria, possivelmente, a preposição sem
.
Portugal não atravessa apenas um
período de falência financeira e económica. Portugal, ou melhor, os que têm as
rédeas do poder, padecem de um mal incurável, que se cruza entre a
insensibilidade e a falta de pudor.
Os valores que devem ser perenes
nas relações sociais, como a fraternidade, a justiça, a compreensão, a palavra,
o respeito pelas crianças e pelos velhos, todos eles são tratados de supetão.
As hierarquias do poder político, em muitas decisões que tomam, dão-nos provas
dessa chocante realidade. Um Estado de Direito não pode assentar em normas
imorais. Três exemplos retirados do molhe.
Depois de ter dirigido o governo
do país de uma forma desastrosa, e com diversos problemas pessoais, que sempre
deixam má memória, desde a licenciatura, a projectos duvidosos, José Sócrates
tem lugar como comentador político na TV do Estado, sem que alguma vez,
anteriormente, tenha exercido cargo idêntico. É legal mas é incorrecto.
Paulo Portas, que cria um
problema insolúvel com a significação dos vocábulos, quando toma a decisão
irrevogável de se demitir do Governo e não o faz, nem cora de vergonha.
Passos Coelho passa uma esponja
sobre o passado académico de Miguel Relvas e volta a colocá-lo na ribalta da
política partidária, como se isso fosse a coisa mais natural e o povo sofresse
de amnésia.
É verdade que não há dinheiro,
mas mais que o dinheiro, o que faz mais falta é o decoro.
Publicado, com cortes, no Diário de Notícias de 26.02.2014 e Expresso de 1.03.2014. Cada "censor" cortou o que, por falta de espaço ou de mensagem,lhe pareceu mais oportuno retirar.
ResponderEliminarHoje, no jornal Publico, foi publicado este artigo nas Cartas à Directora, com corte menos significativo. Demorou, pois tinha sido enviado a todos os jornais ao mesmo tempo. Ainda assim, valeu a pena, porque é possível que mais alguém nos oiça.
ResponderEliminarJoaquim, fiz o link para o seu artigo no PÚBLICO.
ResponderEliminar»Mais vale tarde, que nunca!».