segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

CONTRA PALIATIVOS

                                 … SOLIDARIEDADE DAS SOBRAS

Pobreza e solidariedade. Colocar assim estas palavras faz sentido, mas também pode gerar mal-entendidos. Com efeito, há diversos modos de entender uma e outra, e diversos modos de as relacionar, mesmo que deixemos de lado as meras opiniões pessoais.
Designo por “pobreza” uma situação de privação por falta de recursos. Considero-a como um problema social, ou seja, um problema cujas causas se encontram na sociedade, no modo como a sociedade está organizada e funciona. Consequentemente, um problema cuja solução requer mudanças sociais.
Uma vez que resulta da falta de recursos, a “pobreza” é um problema económico que tem a ver com a redistribuição. Mas tem a ver, também, com a repartição primária dos rendimentos, havendo muitos pobres entre os empregados.
A falta de recursos é também um problema cultural, quer na sua génese quer na forma como a sociedade a percebe. As noções de propriedade, de posse e de lucro, bem como os termos em que se põe a sua legitimidade ou ilegitimidade ética podem favorecer ou dificultar que a pobreza exista, ou seja erradicada.
Consoante a percepção que se tenha das causas da pobreza, esta será um problema dos outros ou, também, um problema meu, colocando-me como parte da solução ou como parte do problema.
A pobreza é um problema político maior. Uma política que lhe negue prioridade é, necessariamente, uma política menor. É problema político pela sua dimensão quantitativa e também pela sua natureza, que decorre de níveis baixos de educação e de qualificação profissional, de salários baixos e emprego precário. É um problema político, ainda, pela sua relação com o Poder, porque o pobre é alguém destituído de qualquer poder.
A luta contra a pobreza deve restituir-lhe o poder que lhe pertence e lhe é necessário para o exercício pleno da cidadania. Nas suas consequências, a pobreza atinge o pobre em aspectos relevantes da sua personalidade e cultura, aspirações, capacidade de iniciativa, auto-estima e autoconfiança.
Estas perdas são tanto maiores e mais profundas quanto mais prolongada é a permanência na pobreza. O combate à pobreza requer que o pobre seja apoiado no sentido da sua reabilitação psicológica e social.
A tecnologia contribuíu decisivamente para a globalização da economia, mas não para a luta contra a pobreza. Porque aquela está entre os mecanismos do mercado e serve os poderosos, ao passo que esta tem de decorrer de uma opção com políticas de dimensão ética .
A solidariedade é um valor que se vem impondo cada dia mais imperativo, se quisermos travar o curso dos acontecimentos, retirando-os da dependência da cegueira dos mecanismos de mercado e imprimindo neles a marca de opções solidárias e humanas, mas não uma solidariedade menor, que se contente apenas com a distribuição das sobras, mas de uma solidariedade esclarecida de quem reconhece e aceita a necessidade de modificar o sistema.
NOTA – Este texto foi “respigado” de um artigo do doutor Alfredo Bruto da Costa, foi publicado há cerca de quinze anos e é transcrito por

Amândio G. Martins

1 comentário:

  1. O Dr. Bruto da Costa, no ultimo parágrafo, põe o dedo na ferida: " a necessidade de modificar o sistema". O resto é acessório. O resto não passa de boas intenções, de caridade, de bétadine.

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