… SOLIDARIEDADE
DAS SOBRAS
Pobreza e
solidariedade. Colocar assim estas palavras faz sentido, mas também pode gerar
mal-entendidos. Com efeito, há diversos modos de entender uma e outra, e
diversos modos de as relacionar, mesmo que deixemos de lado as meras opiniões
pessoais.
Designo por
“pobreza” uma situação de privação por falta de recursos. Considero-a como um
problema social, ou seja, um problema cujas causas se encontram na sociedade,
no modo como a sociedade está organizada e funciona. Consequentemente, um
problema cuja solução requer mudanças sociais.
Uma vez que
resulta da falta de recursos, a “pobreza” é um problema económico que tem a ver
com a redistribuição. Mas tem a ver, também, com a repartição primária dos
rendimentos, havendo muitos pobres entre os empregados.
A falta de
recursos é também um problema cultural, quer na sua génese quer na forma como a
sociedade a percebe. As noções de propriedade, de posse e de lucro, bem como os
termos em que se põe a sua legitimidade ou ilegitimidade ética podem favorecer
ou dificultar que a pobreza exista, ou seja erradicada.
Consoante a
percepção que se tenha das causas da pobreza, esta será um problema dos outros
ou, também, um problema meu, colocando-me como parte da solução ou como parte
do problema.
A pobreza é
um problema político maior. Uma política que lhe negue prioridade é,
necessariamente, uma política menor. É problema político pela sua dimensão
quantitativa e também pela sua natureza, que decorre de níveis baixos de
educação e de qualificação profissional, de salários baixos e emprego precário.
É um problema político, ainda, pela sua relação com o Poder, porque o pobre é
alguém destituído de qualquer poder.
A luta contra
a pobreza deve restituir-lhe o poder que lhe pertence e lhe é necessário para o
exercício pleno da cidadania. Nas suas consequências, a pobreza atinge o pobre
em aspectos relevantes da sua personalidade e cultura, aspirações, capacidade
de iniciativa, auto-estima e autoconfiança.
Estas perdas
são tanto maiores e mais profundas quanto mais prolongada é a permanência na
pobreza. O combate à pobreza requer que o pobre seja apoiado no sentido da sua
reabilitação psicológica e social.
A tecnologia
contribuíu decisivamente para a globalização da economia, mas não para a luta
contra a pobreza. Porque aquela está entre os mecanismos do mercado e serve os
poderosos, ao passo que esta tem de decorrer de uma opção com políticas de
dimensão ética .
A
solidariedade é um valor que se vem impondo cada dia mais imperativo, se
quisermos travar o curso dos acontecimentos, retirando-os da dependência da
cegueira dos mecanismos de mercado e imprimindo neles a marca de opções
solidárias e humanas, mas não uma solidariedade menor, que se contente apenas
com a distribuição das sobras, mas de uma solidariedade esclarecida de quem
reconhece e aceita a necessidade de modificar o sistema.
NOTA – Este
texto foi “respigado” de um artigo do doutor Alfredo Bruto da Costa, foi
publicado há cerca de quinze anos e é transcrito por
Amândio G.
Martins
O Dr. Bruto da Costa, no ultimo parágrafo, põe o dedo na ferida: " a necessidade de modificar o sistema". O resto é acessório. O resto não passa de boas intenções, de caridade, de bétadine.
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