DA GRANDEZA MORAL DO HOMEM BRANCO…
… E neste dia
houvemos vista de terra, à qual o capitão pôs o nome de Terra de Vera Cruz. E
dali houvemos vista de homens que andavam pela praia, todos nus, sem nunhuma
roupa que lhes cobrisse as vergonhas. E andavam entre eles três ou quatro
moças, bem moças e bem gentis, e suas vergonhas, tão limpas das cabeleiras, que
de as nós muito bem olharmos não tínhamos nenhuma vergonha. E uma daquelas
moças era tão bem feita e tão redonda, e sua vergonha, que ela não tinha, tão
graciosa, que a muitas mulheres da nossa terra, vendo-lhe tais feições, fizera
vergonha, por não terem a sua como ela.
Não estimam
nada cobrir, nem mostrar suas vergonhas, e estão acerca disto com tanta
inocência como em mostrar o rosto. Deram-lhes ali de comer mas não quiseram
quase nada, e alguma coisa, se provavam, lançavam-na logo fora. (…)
Andam muito
bem curados e muito limpos, gordos e formosos que não podem ser mais (…) e
andavam já mais mansos e seguros entre nós do que nós andávamos entre eles.
Disse o capitão que seria bom irmos direitos à cruz e que nos puséssemos todos
em joelhos e a beijássemos para eles verem.. E não duvido, segundo a Santa tenção
de Vossa Alteza, fazerem-se cristãos e crerem na nossa Fé.
Eles não
lavram nem criam animais, nem comem senão desse inhame que aqui há muito. E com
isto andam tão rijos e tão nédios, que o não somos nós tanto com quanto trigo e
legumes comemos. (…)
Entre todos
estes que hoje vieram não veio mais que uma mulher moça, a qual esteve sempre à
missa, à qual deram um pano com que se cobrisse, mas não fazia por com ele se
cobrir. Assim, senhor, que a inocência desta gente é tal, que a de Adão não
seria mais em vergonha.
A terra é de
muito bons ares, assim como os de Entre-Douro e Minho, porque agora assim os
olhamos como os de lá. Mas o melhor fruto que nela se pode fazer me parece que
será salvar esta gente.
Pêro Vaz de Caminha.
///…///
Os moradores
da Costa do Brasil todos têm terras de sesmarias, e a primeira coisa que
pretendem alcançar são escravos para eles fazerem e granjearem suas roças e
fazendas, porque sem eles não se podem sustentar na terra. É uma das coisas
porque o Brasil não floresce mais, é pelos escravos que fugiram, E se esses
índios não fossem tão fugitivos, não tivera comparação a riqueza do
Brasil. (…)
E assim há
também muitos escravos da Guiné, que são mais seguros que os índios porque
nunca fogem nem têm para onde. As pessoas que no Brasil querem viver, por
pobres que sejam, se cada um alcançar dois pares ou meia dúzia de escravos,
logo têm remédio para sua sustentação, porque uns lhe pescam e caçam, outros
lhe fazem a fazenda e assim pouco a pouco enriquecem os homens e vivem
honradamente com mais descanso que neste Reino.
(…)
Estes índios
andam nus assim machos como fêmeas, trazendo descoberto quanto a natureza lhes
deu, e assim vivem bestialmente, sem ter conta, peso nem medida.
Pela terra
dentro dez léguas edificaram os padres uma povoação na qual vivem muitos
moradores, a maior parte deles filhos de portugueses e de índias. E têm feito
os padres da Companhia de Jesus grande fruto. E trabalham por fazer cristãos a
muitos índios; também fazem por restituír a liberdade a muitos deles, que
alguns moradores têm mal resgatados.
Há nesta
terra uma fruta que lhe chamam bananas, que se parece com pepinos. Estas
bananas criam-se em cachos e causam febre a quem se desmanda delas. Com esta
fruta se mantém a maior parte dos escravos.
Não se pode
numerar a multidão de bárbaro gentio que semeou a natureza por toda esta terra
do Brasil, muito desonestos e dados à sensualidade e aos vícios; e não têm
cuidado de coisa alguma senão comer e beber e matar gente.
Mas os governadores destruíram-nos pouco a
pouco, só ficando alguns que são de paz e amigos dos portugueses.
Pêro de
Magalhães Gândavo
NOTA – O texto acima foi compilado dos
escritos de Pêro Vaz de Caminha e de Pêro Magalhães Gândavo ao seu rei . Transcrito por
Amândio G.
Martins
Hoje restam meia dúzia deles. A cruz numa mão, a espada e a chibata na outra...
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