A questão da morte
(…)
para os indianos a morte é uma questão muito diferente daquilo que é para os
europeus.(…) O problema da morte, pelo menos no que se refere ao aspecto formal
e ritual, nunca foi solucionado na Europa e muito menos na América. A morte na
Europa é uma questão retórica e lúgubre, de uma solenidade enfadonha que mal
dissimula o antigo terror. (…) Mas a morte na Índia é leve, simples,
filosófica, serena e desprovida de importância, como era, talvez, na antiga
Grécia. Contudo, a operação religiosa e psicológica que permitiu esta
transformação custou à Índia um preço muito elevado de inadequação à vida
social, prática e política. Por isso julgamos que a concepção indiana pode ser
compreendida e adoptada por alguém como simples indivíduo; mas que seria
perigosa para a sociedade ocidental, que a não poderia aceitar sem se trair a
si própria. (…) Estamos dez minutos ou vinte, ou meia hora, a olhar para
aqueles homens e mulheres que têm os olhos fixos na fogueira em que arde o seu
defunto; e por fim compreendemos que esta indiferença tão estóica não é a da insensibilidade
e da frieza, mas sim a da religião, que considera a morte uma simples mudança
de vestuário ou invólucro. Naquela fogueira, de acordo com uma frase notória,
não se consome uma pessoa única e irrepetível, mas sim um vestido coçado, que
já não prestava, uma pele velha que se abandona por outra nova.
In “Uma ideia da Índia” de Alberto Moravia
Ed. Tinta da China 2008
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