Raul Brandão (1867/1930), escritor portuense tem um livro, que
poderíamos de catalogar como pertencendo à Literatura de Viagens, editado em
1926 com o título de “Ilhas Desconhecidas” e que relata uma viagem que o
escritor fez, com a sua esposa Maria Angelina, aos Açores em 1924 tendo
percorrido demoradamente todo o arquipélago. O relato da viagem inicia-se a 8
de Junho a bordo do ‘São Miguel’ que fará escala na Madeira e depois rumará
para a ilha do Corvo onde começara então o verdadeiro relato da sua estadia
pela ilha que o escritor descreve como que sendo um convento erguido no meio do
mar pelo seu quê de monástico que nela encontrou. De todas as ilhas o relato da sua estadia no
Corvo, que começou a 17 de Junho, é o mais marcante, talvez pelas características
da própria ilha, pequena e isolada, e também pelo carácter dos seus poucos
habitantes. A propósito das condições difíceis em que os seus habitantes têm de
viver e tendo em conta que muita daquela terra que eles trabalham não lhes
pertence mas sim a senhores que habitam em Lisboa (!) tem um dos habitantes a
seguinte explicação: ‘(…) E saiba o senhor que o grande erro deste mundo, vem
de um engano de S. Pedro. Nosso Senhor disse-lhe um dia: - Pedro, vai fora da
porta e diz a mundo: - O pobre que viva do rico. – Mas São Pedro chegou à
porta, enganou-se e disse: - Ouçam todos que têm ouvidos para ouvir – o rico
que viva do pobre! …’
Apesar
da abundância de peixe pelas suas águas (os nomes que descreve são nomes de que
eu, cidadão habituado à banca dos hipermercados, nunca ouvi falar tais como
bejas vermelhas, bicudas, bonitos, bocas-negras, escobares, gorazes, albafares,
garoupa, lambaz, rainha, castanha, patuscas e rocaz) o que Raul Brandão relata
é muita fome. Fome e uma vida muito difícil. Clima ríspido. Vento
abundante. Solidão. As pessoas encontram refúgio no sentimento cristão de irmandade que os ajuda a suportar toda uma rotina de pequenos gestos grosseiros numa solidão a que
estão votados. ‘O que na solidão os livra da natureza e do inferno é a
religião. É a ela que, além da vida monótona, da vida horrível, lhes mostra
outra vida superior. É ela que os une e os salva.’
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