quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

A sardinha e o burro
Diz-se, e eu reparo que o dizem com alguma justificação, que as pessoas, especialmente as mais novas, lêem cada vez menos, mesmo os alunos que frequentam os anos finais do ensino secundário, e só o fazem por obrigação, lendo unicamente, e às vezes na transversal, os livros do programa. Daí, muitos dos contos tradicionais portugueses, lhes serem estranhos, como o do almocreve, que negociava no interior produtos que adquiria na zona costeira. Entre outras coisas, levava peixe seco, que era de venda não muito difícil na região, por ser produto escasso. Como a clientela se alargava e era fácil adquirir o peixe, o homem, em cada viagem, aumentava a carga do pobre burro, tendo em conta que quanto mais vendesse mais lucraria. O animal, velho e cansado, quase já sem forças para dar coices ou fugir, ia aguentando a sua desgraça, sem que o dono, ganancioso, se apercebesse que estava a consumar-se um fim dramático. Uma madrugada, antes de partirem para a faina, depois da carga ajustada, com o animal quase a desfalecer, o dono achou por bem colocar mais uma sardinha sobre o burro. Por coincidência, mal a arriou, o animal teve uma síncope fulminante, e caiu com toda a carga que tinha sobre si. Não foi o peso desta sardinha que matou o burro, mas sim, todas as outras sardinhas que pesavam sobre o seu dorso.
Este conto pode ser transposto para a actual situação do país, em que o Governo, que faz negócios como os almocreves, julga, mesmo depois da brutal carga de impostos, que o povo (o burro) tudo suporta e, por isso, ainda pode lançar mais algum, para aumentar a receita, já que não foi autorizado a cortar na ração dos mais idosos (burros mais velhos).
O pequeno comércio, nas áreas antigas das cidades, morreu ou está moribundo, porque entre outras contrariedades, novas medidas impeditivas de trânsito deram como resultado o abandono de muitas casas antigas, onde já não é possível morar.
Mesmo com o noticiário de que, cada vez há mais famílias que vão à Sopa do Sidónio e afins para que não morram de fome, que diariamente centenas de contratantes deixam de pagar a água, a luz e o gás, que os bancos não apressam as ordens de despejo dos apartamentos em dívida, porque não há número suficiente de compradores, e é mais seguro continuarem ocupadas, o Governo não sente e não tem respostas. E nesta situação de penúria, o Governo sonha com mais impostos.
Que o desemprego galopa na realidade e que os números estatísticos não oferecem muita confiança, pois não entram em conta com factores essenciais, como a emigração ou a morte do inscrito. Que as leis, que se discutem e aprovam, são para facilitar os despedimentos e não para favorecer novos empregos.
Perante este quadro, não são os novos impostos, por si, que destruirão as vidas de muita gente e a economia do país. Os que estão em vigor são suficientes para o desastre. Os novos só virão apressar a tragédia.
Joaquim Carreira Tapadinhas, Montijo


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