sábado, 24 de janeiro de 2015

em O LIVRO EM BRANCO - páginas 56 e 57

Epigrama sobre os moribundos-vivos
e da solidariedade de alguns vivos

Ultimamente não tenho feito nada (poeticamente).
O meu pensamento tem estado em férias.
Estamos no Verão. É o inferno p’ra muita gente.

De anteontem para ontem (de 13 para 14/7/1985),
dois grandes festivais, de música moderna, atordoaram
(intencionalmente) os ares, as discotecas,
as rádios, as radiotelevisões,
e quase toda a gente.
Foi uma linda campanha a favor de milhões
de moribundos-vivos, que têm
a fome, a sede, a miséria,
como principais letras musicais.
Foi lindo este gesto de solidariedade,
mas muito feio é a antítese-gesto do mercenário-diário
a encaixotar, no mesmo espaço-tempo,
armas e munições,
para matar aqueles que restam
no mundo dos moribundos-vivos.
.
O ano tem, geralmente, trezentos e sessenta
e cinco dias, e, este gesto, de gesta gente,
teve a estrondosa dimensão
de um dia.

A fome não se mata em apenas um dia
e, nos restantes trezentos e sessenta e quatro dias,
pomposamente,
sofisticadamente,
são mortas de fome pessoas,
seres-farrapos,
cobaias sem laboratório. Nem laboratório têm.

Este dia, lindo de solidariedade, deveria
prolongar-se ‘per omnia saecula saeculorum’
e não apenas em um paupérrimo
micro-espaço-tempo.
É a minha opinião, meu irmão.

(poema a propósito de dois festivais de música moderna, que tiveram lugar em Filadelfia, no Estádio John Kennedy, e em Londres, no Estádio de Wimbledon, de 13 para 14 de Julho de 1985, a favor das vítimas da fome e dos homens, no continente africano e não só)


José Amaral

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