sábado, 5 de dezembro de 2015

A PORTA ABERTA

                                               MÉTODOS E VIDA DO PADRE AMÉRICO
Temos cá na Aldeia um rapaz de mau génio. Conversamos e disse-lhe que ele era muito assomado e que devia trabalhar para se corrigir. Passados quinze dias veio ter comigo muito animado e contente, a dizer que já não se atirava aos outros, mas respondi-lhe que vai precisar de muito mais tempo para se dominar.
Temos cá um pequenito da Rua Escura, que andava por lá, sem mãe. É o mais novo da nossa família e depressa arranjou “pai”, o Carlos. Todas as manhãs, depois de ajudar a servir o almoço aos outros vai fazer as papas do menino e leva-lhas à cama. Uma destas noites, subia eu aos meus aposentos, passei à porta onde dorme o menino e lá estava o pai a tentar adormecê-lo. Fosse a nossa casa uma das chamadas casas de educação, com educadores à frente, nada disto podia acontecer.
Era domingo, subia eu a avenida e o Foscôa aparece com um pé calçado e outro descalço; estranhei e perguntei, mas tudo era simples. O Foscôa e o Pernas são muito amigos, e como este tem sapatos e aquele não, decidiram ficar cada um com um sapato. Oxalá estes rapazes sejam sempre assim pela vida, que se ajudem, que emprestem sem juros, que eu detesto juros e outras formas de extorquir, chamadas honestas, como fazem muitos homens, também chamados honestos.
Ontem fui bruscamente interpelado pelo Faísca, se eu lhe tinha tirado o leite. Que não, disse-lhe, eu não tiro nada a ninguém, muito menos leite, ó Faísca. É então que o rapaz informa que o Botas lhe não dera o púcaro de leite do costume. Ora o Botas passou a ajudante de cozinheiro, pelo que já risca alguma coisa na cozinha. Foi uma promoção; e o que faz o amigo Botas, apenas promovido? Aquilo que faz muito “boa” gente, quando sobe ao poleiro. Como andasse de rixa com o Faísca, vá de cortar-lhe o leite. E eu estou que não há nada que mais desqualifique um homem do que abusar do seu posto..
Houve aqui um aviso solene, à laia de tribunal. Foi o caso que os chefes do campo apresentaram na mesa, diante de si, pratos de alface e pediram azeite aos refeitoreiros. Eu dei fé,mandei retirar aquilo e no fim da refeição tomei a palavra. Disse que os chefes estão postos em autoridade para ver que todos comam por igual das coisas da nossa quinta, e não para comerem eles sozinhos. Nós aqui somos verdadeiros comunistas, disse-lhes eu. Repartimos, comemos todos. Os chefes a comer e os demais a olhar, onde é que já se viu? Seria um comunismo igual ao dos tais que se dizem comunistas. Ora isso não quero eu, que é uma doutrina falsa.
O jornal de hoje traz o caso da mentira do Machado. Já a verdade da sua mentira era conhecida de todos e ele continuava a mentir com quantos dentes tinha. Ora isto é muito mais grave. Quando amanhã fores trabalhar e o teu patrão notar que dizes sempre a verdade, há-de apresentar-te diante de todos como trabalhador amigo da verdade, que é a melhor recomendação para a vida.
NOTA – Extrato dos escritos do grande pedagogo, do livro de Maria Palmira Duarte – “A Porta Aberta - transcrito por
Amândio G. Martins





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