quarta-feira, 15 de fevereiro de 2017

Eutanásia, uma boa morte?


"No reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade. Quando uma
coisa tem um preço, pode pôr-se, em vez dela, qualquer outra coisa como
equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e portanto
não permite equivalente, então ela tem dignidade" (Kant, 1991: 77)
Indo à origem da palavra, a eutanásia, do grego eu (bom) e thanatos (morte), significa “boa morte”. Há quem leve a palavra tão à letra que compare a eutanásia com uma morte digna.
Isto leva-me desde logo a questionar o que se deve entender por dignidade. Existirão vidas e mortes indignas?
A temática é tão sensível quanto complexa, estando longe de ser uma discussão entre crentes e não crentes.
Não podemos esquecer a vertente médica, jurídica, filosófica e moral. Muito menos poderemos pensar tratar-se que se trata de um conceito moderno. Consta que, na Índia antiga, por exemplo, os doentes incuráveis eram atirados ao Ganges.
No entanto, não deixa de ser um sinal o facto de essas práticas terem vindo a desaparecer e serem poucos os países que legalizaram a eutanásia. Na Europa, se não estou em erro, só a Holanda e a Bélgica.
A 1.ª conclusão que retiro daqui é que deixar de legalizar a eutanásia não é sinónimo de atraso social.
Importa, antes de mais, discutir a questão de forma esclarecida e na posse de informação credível sobre os vários conceitos envolvidos.
Não gosto de fundamentalismos nem argumentos de choque mas, em bom rigor e face ao actual enquadramento jurídico português, a eutanásia configura o crime de homicídio a pedido da vítima, definido no art.º 134 do Código Penal, pressupondo um “pedido sério, instante e expresso” nesse sentido.
A nossa lei fundamental prevê o direito à vida, determinando que este é inviolável e apenas legitimando que se atente contra este em caso de legítima defesa ou estado de necessidade.
Assim sendo, parece que legalizar a eutanásia implicaria que, previamente, fosse alterada a Constituição.
Mas até neste ponto, aparentemente lógico, existem divergências e os constitucionalistas não se entendem havendo argumentos num e noutro sentido.
Juridicamente a minha dúvida é se direito à vida significa ter direito sobre a vida. E , sendo este um direito inalienável e irrenunciável, em que circunstâncias pode o seu titular pedir a outrem que termine com ele.
Dizendo que outra forma, que tipo de sofrimento justifica pedir a eutanásia como solução.
Ninguém quer sofrer ou, pelo menos as mentes sãs, que o outro sofra.
De que sofrimento falamos? Fisíco? Moral? E como mensurá-lo? Quem é que decide se o sofrimento é, ou não, intolerável?
Reproduzindo um exemplo ouvido há dias, “haverá maior sofrimento maior do que o de uma mãe que perde dois filhos?”. E este sofrimento, justifica pedir a eutanásia?
Se falamos de situações de sofrimento físico em que o processo de morte já está, de algum modo em curso, existem soluções. Um médico, com os conhecimentos necessários, saberá suspender tratamentos desnecessários e deixar a morte chegar naturalmente e sem sofrimento. Falo da ortotanásia.
Não está em causa a defesa do prolongamento artificial da vida impondo um sofrimento desumano mas sim saber o que pode e deve ser feito perante esse sofrimento.
E neste ponto surge-me outra questão. Como é o estado dos cuidados paliativos em Portugal? Antes ainda, quem sabe o que são cuidados paliativos?
Para mim, como estou em crer para 99,9% dos portugueses e até há poucos dias, os cuidados paliativos destinavam-se aos últimos dias de vida, tipo “antecâmara da morte” em que só se ministra morfina para aliviar a dor.
Contudo, e se virmos a definição de cuidados paliativos da OMS, os cuidados paliativos são “cuidados que visam melhorar a qualidade de vida dos doentes e suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento, com recurso à identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos, nomeadamente a dor, mas também dos psicológicos, sociais e espirituais”.
Reparem num pormenor que faz a diferença, “identificação precoce e tratamento rigoroso dos problemas não só físicos”. Longe da minha ideia de recurso nos últimos dias de vida, para alívio de dores físicas.
Temos bons cuidados paliativos em Portugal? Acredito que sim. Suficientes? Tenho a certeza que não. Duvido muito até que existam técnicos de saúde formados em número suficiente para que houvesse uma rede a cobrir o país de forma uniforme, caso fosse essa fosse uma opção política.
E isto é verdadeiramente preocupante pois, mesmo que se invista nas infra-estruturas, a formação de recursos humanos leva sempre mais tempo. Tempo que muitos não têm para viver com a tal dignidade.
Defenda-se, ou não a eutanásia, numa coisa o entendimento será unânime, TODOS temos direito a viver com dignidade.

Vamos centrar os nossos esforços para que esse direito seja assegurado.

Susana Alice Neves

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