Queria tanto escrever coisas bonitas e belas. Simples, muito
belas e bastante redondas.
Queria tanto que a minha cabeça tivesse tempo para imaginar
histórias de amor, aventuras e explorações por mundos desconhecidos , arriscar
uma mão na poesia: tão difícil e tão bela é a boa poesia!
Mas não consigo. A energia que tenho para escrever, suga-me
para o lado negro: remexo, chafurdo com espanto e raiva na (in)condição
humana.
Esgoto o meu tempo nisso, em temas sujos, e feios, e que
fedem. É o próprio tempo que o pede, e não lhe faço a desfeita, restando-me as
coisas belas para sonhos de inicio de alvorada.
Não encontro boas rimas para Gaza, Ucrânia, Síria, Iraque, Afeganistão, Nigéria, Somália;
não consigo “Alexandrinos” decentes nas
balsas de mortos-vivos no mediterrâneo, temas pouco literários, temas do absurdo,
que impossibilitam a ficção, vivo-os boquiaberto com a inevitabilidade de entropia,
uma ficção de fantasmas, pesadelo e caos.
Uma grande amiga, dizia-me - escrevia-me no outro dia - que esta imagens servidas à nossa mesa
enquanto ainda jantamos decente e descansadamente, a sensibilizavam muito, já não consegue olhar
para elas de frente, olhos nos olhos. Quando passam notícias dessas nos jornais
televisivos, finge que não ouve nem vê.
A sua esperança, que para ela é fé, é o refúgio de paz que
procura na religião, desacreditada que
anda dos homens.
Mas nós somos homens e é com eles que temos de nos entender!
Desafortunadamente, não encontrei ainda esse companheiro,
tenho que conviver com eles, e não consigo deixar de
olhar – pasmo - para uma criança trucidada numa praia, quando brincava como
todas as crianças brincam na praia, e deixar passar em banco a minha raiva, porque
essa criança é um filho meu.
Esse meu olhar obrigatório e irrecusável, não pode ser um arco-íris, é uma sépia, um véu que se
abateu sobre todos.
Não consigo arriscar
a poesia que tanto gosto, quando as entranhas queimam.
Não faz mal se é azeda a escrita: há momentos em que para
voltar a plantar uma flor, temos que remover o chão infértil com o arado de
palavras, contundentes, que ferem a vista, que nos sacodem para um despertar
cruel, mas que necessita de nós, para lavrar uma possibilidade de futuro.
O que escreveu foi belo, Luís!
ResponderEliminarCaro Artífice, escreva com sabe, que eu gosto. Versejando na prosa, também há poesia.
ResponderEliminarO escrever é um pouco como o cantar ou o tocar instrumentos musicais. São dons. O Luís foi bafejado pela sorte e ainda bem, porque temos o prazer de lê-lo.
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