domingo, 17 de maio de 2015

A maior e melhor manifestação popular de 2015


Estrondos. Assustei-me. A meio de uma sesta dominical a recuperar energias para uma semana de trabalho - ainda meio adormecido - abeirei-me da janela em tronco nu, impróprio.
Foguetórios, gaitas, som de panelas, gritos histéricos. Carros cheios de gente difusa a desfraldar bandeiras. Como não tive tempo de pôr os óculos, apercebi-me vagamente que as bandeiras tinham cor vermelha e pouco mais.
O que se está a passar? Algo de muito importante, único, mesmo fundamental, está a acontecer. E sendo assim tenho de ser um participante desta história.
Atavio-me apressadamente e saio para a rua. Meto-me no carro com a gasolina contada para a semana - “que se lixe” - sigo os outros carros.
À medida que vou despertando, apercebo-me que as bandeiras só têm vermelho, onde está o verde? E a esfera armilar?
Seguimos animados em fila lenta, exultantes de uma felicidade que toca emoções fortes. Nos passeios as pessoas gritam, acenam “vês” de vitória e outros gestos com os dedos.
 Algo de muito importante está a acontecer, e eu estou a ser participante activo de algum acontecimento – que ainda desconheço – que indicia uma mudança.
Todos os caminhos, todos os carros, a multidão, enorme, imensa, avassaladora, desemboca na praça do Marquês de Pombal.
Continuo só a ver vermelho. Uma estrutura tecnológica e cara faz a cenografia da praça. Afinal onde está a bandeira de Portugal? Não a vejo e começo a desconfiar.
Só a quantidade de gente, milhares e muitos, me tranquiliza. Estamos aqui para comemorar algo verdadeiramente importante. Finalmente despertámos e estamos a celebrar Portugal. Todos na rua a tomar o pulso dos nosso destinos colectivos, passou-me pela cabeça.
Necessitado de alguma hidratação, porque a noite está quente, dirijo-me a um quiosque de circunstância. Camaradas aos pulos, abraçados e com cachecóis, grunhem em português arcaico, totalmente alienígena de qualquer possibilidade de Acordo.
Um deles, a chorar lágrimas de choro que não sei se de felicidade, tristeza, ou da melancolia que extravasou, diz-me:
- Pelo Benfica dou a vida cara….Nem a minha filha que mais amo, nem a minha querida mãe que me pariu, nada neste mundo é mais forte que este amor, filhos da p… dos morcões.
Perdi a sede e a vontade de estar naquele lugar. Afinal não aconteceu nada de importante, foi só um fenómeno temporário de esquizofrenia colectiva.
Amanhã muitas pessoas vão chegar atrasadas ao trabalho, produzir muito pouco e contribuírem ainda mais para o buraco negro em que todos estamos metidos.
Eventualmente alguém vai limpar o lixo na cidade, provavelmente aos que pagamos habitualmente para o fazerem todos os dias. Amanhã com trabalho a dobrar e pago por nós, que não sujámos.
A cenografia não sabemos quem a pagou, mas desconfiamos.
Vivi um mal entendido. Tal a ânsia da mudança, que o ruído da multidão me levou a um estado de nervoso miudinho, meio adormecido que estava.



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