Estrondos. Assustei-me. A meio de uma sesta dominical a
recuperar energias para uma semana de trabalho - ainda meio adormecido -
abeirei-me da janela em tronco nu, impróprio.
Foguetórios, gaitas, som de panelas, gritos histéricos. Carros
cheios de gente difusa a desfraldar bandeiras. Como não tive tempo de pôr os
óculos, apercebi-me vagamente que as bandeiras tinham cor vermelha e pouco
mais.
O que se está a passar? Algo de muito importante, único, mesmo
fundamental, está a acontecer. E sendo assim tenho de ser um participante desta
história.
Atavio-me apressadamente e saio para a rua. Meto-me no carro com
a gasolina contada para a semana - “que se lixe” - sigo os outros carros.
À medida que vou despertando, apercebo-me que as bandeiras só
têm vermelho, onde está o verde? E a esfera armilar?
Seguimos animados em fila lenta, exultantes de uma felicidade
que toca emoções fortes. Nos passeios as pessoas gritam, acenam “vês” de
vitória e outros gestos com os dedos.
Algo de muito importante
está a acontecer, e eu estou a ser participante activo de algum acontecimento –
que ainda desconheço – que indicia uma mudança.
Todos os caminhos, todos os carros, a multidão, enorme, imensa,
avassaladora, desemboca na praça do Marquês de Pombal.
Continuo só a ver vermelho. Uma estrutura tecnológica e cara faz
a cenografia da praça. Afinal onde está a bandeira de Portugal? Não a vejo e
começo a desconfiar.
Só a quantidade de gente, milhares e muitos, me tranquiliza.
Estamos aqui para comemorar algo verdadeiramente importante. Finalmente
despertámos e estamos a celebrar Portugal. Todos na rua a tomar o pulso dos
nosso destinos colectivos, passou-me pela cabeça.
Necessitado de alguma hidratação, porque a noite está quente,
dirijo-me a um quiosque de circunstância. Camaradas aos pulos, abraçados e com
cachecóis, grunhem em português arcaico, totalmente alienígena de qualquer
possibilidade de Acordo.
Um deles, a chorar lágrimas de choro que não sei se de
felicidade, tristeza, ou da melancolia que extravasou, diz-me:
- Pelo Benfica dou a vida cara….Nem a minha filha que mais amo,
nem a minha querida mãe que me pariu, nada neste mundo é mais forte que este
amor, filhos da p… dos morcões.
Perdi a sede e a vontade de estar naquele lugar. Afinal não
aconteceu nada de importante, foi só um fenómeno temporário de esquizofrenia
colectiva.
Amanhã muitas pessoas vão chegar atrasadas ao trabalho, produzir
muito pouco e contribuírem ainda mais para o buraco negro em que todos estamos
metidos.
Eventualmente alguém vai limpar o lixo na cidade, provavelmente
aos que pagamos habitualmente para o fazerem todos os dias. Amanhã com trabalho
a dobrar e pago por nós, que não sujámos.
A cenografia não sabemos quem a pagou, mas desconfiamos.
Vivi um mal entendido. Tal a ânsia da mudança, que o ruído da
multidão me levou a um estado de nervoso miudinho, meio adormecido que estava.
Sem comentários:
Enviar um comentário
Caro(a) leitor(a), o seu comentário é sempre muito bem-vindo, desde que o faça sem recorrer a insultos e/ou a ameaças. Não diga aos outros o que não gostaria que lhe dissessem. Faça comentários construtivos e merecedores de publicação. E não se esconda atrás do anonimato. Obrigado.
Nota: só um membro deste blogue pode publicar um comentário.