domingo, 24 de maio de 2015

PAÍS INCOMPREENSÍVEL



Mesquinhos, invejosos, saloios, possidónios, queixinhas, indiferentes, espertinhos.

Há dias que baixam as guardas, em que se atingem picos de desilusão e cansaço, e não apetece, mal se consegue, mexer uma pestana por esta gentinha.

Consomem as existências ocas a rebaixarem-se nas posições de maior vexame, lambedores de botins, engraxadores, meninos de coro, desconhecedores da palavra “não”, senão mudos, muito gagos.

Aceitam tudo e abanam agradecidos com a cabeça. Quando lhes viram costas, põem-se em bicos de pés, armados em pessoas – até altivos - e cospem para o chão e deitam o lixo na rua, e na primeira oportunidade queixam-se da falta de educação dos outros, da falta de acesso à cultura, às coisas belas e significativas da vida.

A seguir publicam nas redes as fotografias e os vídeos das suas façanhas, a vangloriarem-se das imundIces que fazem, do pequeno furto, chicos-espertos, à cata de “likes” e reconhecimentos de heróis pelas tribos suburbanas.

São todos periféricos.

Inteligentes que são, cagam e roubam e são facilmente apanhados pelas pistas que deixam publicadas em todo o lado.

São geralmente preguiçosos, saem pouco de casa, chegam ao trabalho já cansados, e só vão se não puderem inventar azias no bucho, ou uma baixa por exaustão psíquica, uma espécie de stress provocado por exposição prolongada à melancolia.

Só três motivos são suficientemente fortes para sacudi-los das tocas : para pastarem os fatos de treino pelos centros comerciais, onde se vão babar com as beiças coladas nas vitrinas das lojas, e endividarem-se ainda mais, nos cartões de crédito que alguém inexplicavelmente ainda lhes proporciona; comemorarem como selvagens as vitórias dos seus clubes geridos por empreiteiros que mal sabem balbuciar português. Se for preciso dão a camisola e rasgam os peitos – a vida pela cor, pelo clube; e se houver uma festa que seja à borla, seja ela qual for: comício, funeral, inauguração de um museu, noivas de Santo António, carpetes sintéticas vermelhas em noites dos globos da mediocridade.

Haja croquetes, bonés com bonecos, entradas à borla em sítios dos finos, e estejam as câmaras de televisão para mandar beijos para casa e desejar os parabéns em directo às suas Cátias Vanessas, e eles saem todos em manada, ordeiros e contentes. Mansos e dirigidos.

Pouco importa ao que vão, não sabem, nem se esforçam por saber. E se hoje os deixam entrar – com os dedos a taparem as narinas e a afastarem-se deles – num qualquer mamarracho que custou com certeza muito dinheiro e não foi construído para ter utilidade, nem sustentabilidade, nem rentabilidade, mas somente para dar nas vistas dos possidónios finos – também esses o são – que pastoreiam o rebanho, amanhã vão ter de pagar as derrapagens dos orçamentos da construção, os vencimentos e automóveis dos directores, curadores, administradores, consultores e diversificados amigos, que de uma forma ou outra contribuíram abnegadamente e sem interesses, para a gloriosa realização do magnífico projecto.

Obra única no mundo, senão única, das maiores, melhores, mais originais, que nisto do engenho e da arte, dizem-se geniais, com o orgulho a escorrer em lágrimas no canto do olho, quando toca o hino e se descerra a lápide inaugurativa.

Vão-lhes ao bolso vazio, como o dedo tira macacos do nariz: sem pedir licenças e devassando a narina com a maior das naturalidades e poder.

E eles que não se queixam! Só na pastelaria quando animados pela perspectiva do vizinho lhes pagar um bolinho com café, porque em déficites de açucares no sangue, só dá para dizer parvoeira, e assim fica explicado.

Só apetece dizer asneirolas, dar-lhes tabefes, pôr-lhes orelhas de burro, virados contra a parede.

Não fosse o idioma doce e rico, as variadas nuances da terra na sua simpatia natural, o clima suave e acolhedor, as iguarias inúmeras, e era deixá-los a falarem sozinhos, nos solilóquios intermináveis em que são mestres: 

«vou assim-assim», «estou mais ou menos», «cá vamos andando», «pois», «deus queira», «juro pela alma da minha mãe», «pela felicidade dos meus filhos senão estou a dizer a verdade», «o negócio é dele, ele que se preocupe, que eu já faço mais que a minha obrigação», «já dei o que tinha a dar, agora é a vez dos outros»

Passam a vida a desconversar, e na realidade assim é.

País incompreensível.



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