Aqui estou, aqui estás. Esganiçamos a voz em oitavas impensáveis
aos limites das cordas vocais. Em bicos de pés, os dois, elevando-nos até ao
impossível, dizendo que estamos aqui, e não vamos em cantigas.
Estamos e vamos
continuar, no trabalho de aguentar a podridão e a hipocrisia, os comentadores
de futebol, os colunistas desonestos, alguns apresentadores televisivos, quase
todos os associados partidários, os vilões, os apáticos e tolhidos de vontade
própria que se contam com demasiados zeros.
Estamos porque não vamos partir se nos mandam, nem voltamos só
porque querem, no dia em que acordam sem assunto e lhes parece composto dizer
asneiras dessas.
Não nos entranham os medos da desprotecção absoluta ou da
intervenção musculada. Os cães obedecem à voz do dono, e a falta de carácter
não reside nos animais, que são fiéis, mas nos donos que não sabem mandar,
mandam por caprichos, fraquezas de prima donas, explicações psíquicas de
infância e de relações familiares.
Estamos aqui esticados a gritar, e tanto gritamos que alguém nos
ouvirá. Já conseguimos uma posição privilegiada: arrimámo-nos à copa de uma
árvore, e como os cães não a conseguem trepar, não nos calam.
O que eles, parcos, não percebem – muito menos controlam – ainda
que nos emudeçam à fisgada, é que as palavras, depois de ditas, ganham a velocidade
dos ventos e polinizam os campos. Rodopiando, roçam nos ramos das árvores e
fazem ricochete, ganhando outros caminhos, incontroláveis, descontroladas,
chegando aonde não se espera. Causam a maior das entropias.
Chegam a espanar a inconsciência das consciências adormecidas,
juntando ao grito nosso outros companheiros.
De repente, o que parecia um acontecimento controlado e
comezinho, descamba num ruído insustentável.
Os cães perdem o tino, os mandantes ensurdecem descompensados, e
nós os dois, que julgávamos estar a gritar sozinhos para o absurdo, vamo-nos
rodeando de parceiros motivados.
Afinal valeu estarmos os dois aqui, termo-nos deixado ficar, e
excêntricos que sejamos - o que importa isso - incomodamos e somos patriotas, e
essa lealdade poucos reclamam.
Bastamos dois para fazer uma revolução no mundo.
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