Comerciantes da morte...
O homem só tinha 60 anos, vivia sozinho e deixou de aparecer
nos locais habituais, o que levou alguns amigos, estranhando a ausência, a
procurá-lo em casa, onde o encontraram já morto; uma cangalheira local, sabendo
do acontecido, apressou-se a tomar conta do defunto, pedindo a um médico a
certidão de óbito e levando de casa, contra todas as regras, o cadáver para uma
gaveta na morgue, sem dar cavaco à família, apesar de haver na região um irmão.
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São muito conhecidos, porque já deram escândalo público, os
procedimentos pouco éticos de algumas agências funerárias, até com informadores
nos hospitais, que lhes vão dando conhecimento de quem morre e precipita os
comerciantes da morte para casa dos familiares, sem que estes tivessem ainda
informação oficial de que o ente querido falecera.
Ocorre-me o “sermão aos peixes”: “...Muito maior açougue é o de cá. Vedes vós
todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às
praças e cruzar as ruas; vedes aquele
subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e saír sem sossego? Pois tudo
aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer.
Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a
despedeçá-lo e a comê-lo.Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros,
comem-no os legatários, comem-no os credores, come-o a mulher, que de má
vontade lhe dá para mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre
a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar;
enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a
terra”.
Amândio G. Martins
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