Comerciantes da morte...
O homem só tinha 60 anos, vivia sozinho e deixou de aparecer
nos locais habituais, o que levou alguns amigos, estranhando a ausência, a
procurá-lo em casa, onde o encontraram já morto; uma cangalheira local, sabendo
do acontecido, apressou-se a tomar conta do defunto, pedindo a um médico a
certidão de óbito e levando de casa, contra todas as regras, o cadáver para uma
gaveta na morgue, sem dar cavaco à família, apesar de haver na região um irmão.
Só depois contactou uma irmã que vive nos Estados Unidos
para lhe dar a notícia e dizer que as despesas orçavam em 3 mil euros; e só
quando esta senhora ligou para o outro
irmão é que ele soube da morte do familiar, vindo a descobrir as precipitadas irregularidades
cometidas pela cangalheira apressada que, acabando por perder o negócio, pois o
irmão contratou outra funerária, desabafou o descontentamento dizendo que fez o
melhor, que o morto era um indigente – mas exigia 3 mil euros para o enterrar!
- e que tudo estava bem se o irmão não
tivesse aparecido para mudar tudo.
São muito conhecidos, porque já deram escândalo público, os
procedimentos pouco éticos de algumas agências funerárias, até com informadores
nos hospitais, que lhes vão dando conhecimento de quem morre e precipita os
comerciantes da morte para casa dos familiares, sem que estes tivessem ainda
informação oficial de que o ente querido falecera.
Ocorre-me o “sermão aos peixes”: “...Muito maior açougue é o de cá. Vedes vós
todo aquele bulir, vedes todo aquele andar, vedes aquele concorrer às
praças e cruzar as ruas; vedes aquele
subir e descer as calçadas, vedes aquele entrar e saír sem sossego? Pois tudo
aquilo é andarem buscando os homens como hão-de comer e como se hão-de comer.
Morreu algum deles, vereis logo tantos sobre o miserável a
despedeçá-lo e a comê-lo.Comem-no os herdeiros, comem-no os testamenteiros,
comem-no os legatários, comem-no os credores, come-o a mulher, que de má
vontade lhe dá para mortalha o lençol mais velho da casa; come-o o que lhe abre
a cova, o que lhe tange os sinos, e os que, cantando, o levam a enterrar;
enfim, ainda o pobre defunto o não comeu a terra, e já o tem comido toda a
terra”.
Amândio G. Martins
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