segunda-feira, 9 de março de 2020


Prevenção VS  inimigos imaginários...


“Contra quem se destinava a Grande Muralha a servir de protecção? Contra os povos do Norte. Ora eu sou do Sueste da China. Não há povos vindos do Norte que ali nos possam ameaçar. Ouvimos falar deles nos livros dos antigos; as crueldades que eles cometem em virtude da sua própria maneira de ser fazem-nos suspirar nos  nossos doces caramanchões. Os fiéis retratos dos artistas apresentam-nos estes rostos como demoníacos, de bocas escancaradas, com dentes muito aguçados e grandes olhos semicerrados que parecem estar já à procura da vítima que as suas bocarras farão render-se e devorarão.

Quando os nossos filhos estão irrequietos, nós mostramos-lhes estas imagens e imediatamete eles correm a refugiar-se no nosso colo, a chorar. Mas nada mais sabemos acerca destas gentes. Não os vimos, e, se ficarmos nas nossas aldeias, também nunca os chegaremos a ver, mesmo que, montados nos seus cavalos selvagens, eles cavalgassem o mais que pudessem direitos a nós, a terra é muito vasta e não os deixaria chegar até nós. Terminariam a sua cavalgada no vácuo.

Se assim é, então porque é que deixamos os nossos lares, o rio e as suas pontes, as nossas mães e pais, as nossas chorosas mulheres, os filhos, que tanto precisavam do nosso carinho, e partimos para a cidade distante, onde nos treinavam, enquanto os nossos pensamentos vagueavam ainda mais longe, lá na muralha para norte. Porquê? Uma pergunta para o comando supremo”.


Transcrito do livro anexo por
Amândio G Martins

2 comentários:

  1. O seu texto fez-me recordar o que uma colega minha disse quando, há muitos anos, pelo Natal, lhe ofereci um livro. Perguntou-me ela: porque me está a dar este livro específico? Achei a pergunta sensível e inteligente e vou, também, tentar sê-lo ( se calhar vai achar-me somente impertinente...) ao perguntar ao Amândio: porque colocou aqui este "post"? É que o corpo do texto é de Kafka, mas... o título é da sua lavra...

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  2. Para mim o senhor nunca é impertinente e pode sempre perguntar o que lhe apeteça; se as respostas serão satisfatórias é outra questão. A sua pergunta também me fez recordar uma chalaça que há muitos anos um cliente me contou: um "capador", sujeito que, sem ser veterinário, castrava alguns animais domésticos, tinha na chafarica onde exercia o "metier" uma pequena montra, na qual se lembrou de colocar um relógio antigo muito bonito; supondo que ali se consertavam relógios, um senhor que passava entrou para deixar o seu, que regulava mal; perante a explicação do que lá se fazia, o "cliente" perguntou porque tinha então um relogio na montra, ao que o sujeito respondeu que foi o que lhe pareceu melhor, dado que uma "pila" não seria o mais apropriado...

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