Um grande artista da palavra...
“...O infortúnio abastarda os espíritos, desalenta-os, e de
todo os transfigura. António de Azevedo vergava debaixo da dependência, sem
maldizê-la. Sentia-se alquebrado por sua mesma inércia, e esmagado pelo quase
opróbrio de sua inutilidade. O futuro estava-lhe fechado, futuro para onde o
arremessavam esperanças, que todas vira morrer, durante aquele triste viver de
súplicas e repulsões à porta de ministros, de magnates, de influentes, homens
que vestem o arnês do egoísmo, logo que, no dizer do sr. Alexandre Herculano, “se
recostam nos sofás para onde se atiraram de cima do tamborete de couro ou da
cadeira de pinho”.
Sentia-se o moço brutificado pela desgraça: tem ela de seu o
fatal condão de deslapidar o brilho das ideias, enredando-as, escurecendo-as,
falsificando-as; há uma como névoa que empana os objectos ou os desfigura; o
infeliz vê sempre errado; ora crê e confia-se em tudo que ao comum dos homens é
desprezível; ora esquiva-se a tomar pelos caminhos direitos do bem-estar, que
eventualmente se lhe ofereçem.
Pode ser que uma linguagem enérgica lhe valesse uma
transformação de vida; mas o susto, o quase pavor com que fala aos grandes, e a
humildade lagrimosa com que intenta comovê-los, é ainda um sestro mau da sua
desgraça. E em tudo assim, em tudo. Até no amor, que devia estar forro das
cadeias com que a desfortuna peia e trava as demais faculdades. É ao pé da
mulher amada, amada sem confiança nem expansão, é aí que mais a olhos
observadores se manifesta o infeliz”.
Transcrito do livro anexo por
Amândio G. Martins
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