domingo, 22 de outubro de 2017

MANUEL ALEGRE CONFESSA-SE

(Manuel alegre confessa aqui que talvez seja culpado. Tiremos-lhe o talvez, porque é mesmo culpado. Mas Alegre não se representa só a si. Representa o seu partido, o PS, que com o PSD e o CDS são os responsáveis pela tragédia que ele aqui tão bem descreve. Marcelo anda aí a tentar confortar as vítimas, mas não diz isto. Não diz que isto é fruto da subordinação à União Europeia e aos grandes empórios nacionais e transnacionais capitalistas.)
Francisco Ramalho



Não Consigo Ficar Calado

Sete séculos depois ardeu o pinhal de D. Dinis, o das "naus a haver", morreu o verde pinho do rei poeta. Dá vontade de chorar e não consigo ficar calado. É um símbolo triste da falência do Estado, fruto de décadas de desleixo, de incompetência, de amiguismos múltiplos, da submissão do interesse geral a interesses instalados e da capitulação perante lógicas que não são a dos fins superiores do Estado e do país. Olho o rosto do camponês publicado na primeira página do Público e não consigo ficar calado. É o rosto de séculos de pobreza, o rosto do Portugal esquecido e abandonado pelo próprio Estado democrático, o rosto daquela parte do país que foi deixada para trás quando a agricultura foi vendida a Bruxelas a troco de fundos para auto-estradas que hoje levam a lado nenhum. Um Portugal que já só existe nas páginas de Aquilino e de Torga. Vi as imagens televisivas, aldeias destruídas, casas a arder, homens e mulheres a defender com as próprias mãos os seus bens ou o pouco e quase nada que lhes resta. Vi outra vez automóveis calcinados, ouvi as notícias dos mortos e não consigo ficar calado. Porque passou a haver cada vez mais incêndios desde que foram extintas as quatro regiões militares e os governadores civis a quem cabia a respectiva prevenção e coordenação? Não sei. Só sei que se fizeram grandes reformas e que os meios de combate aos fogos foram saindo das mãos do Estado, entregues ou partilhados com empresas privadas. Não sou um especialista, mas é preciso corrigir o que não deu bons resultados. Vi o meu país a arder, sei que morreram cem pessoas em quatro meses e não consigo ficar calado. Talvez a culpa seja minha, porque fui deputado e participei na construção de uma democracia que a páginas tantas se distraiu e não soube resolver problemas estruturais, como o reordenamento do território e das florestas, assim como o combate ao abandono e à desertificação do país. Não se ouviu como se devia ter ouvido o arquitecto Gonçalo Ribeiro Teles. É certo que por vezes protestei, mesmo contra o meu próprio partido. Mas não foi suficiente. Não consigo calar-me e sinto-me culpado. Já disse que não sou um especialista. Mas acho que os meios de combate aos incêndios devem passar para o Estado. Os meios aéreos para a Força Aérea Portuguesa. E é óbvio que se torna urgente a criação de um corpo nacional de bombeiros profissionais organizado segundo normas e regras de tipo militar, como de certo modo já acontece em Espanha. Vai ser preciso enfrentar preconceitos e interesses instalados, mas este é um tempo em que é preciso coragem para tomar decisões para que o Estado não se demita de exercer as suas funções de soberania e seja capaz de proteger o território e garantir a segurança dos portugueses.
Manuel Alegre










2 comentários:

  1. Belo texto este, dum grande e verdadeiro poeta português. Obrigado, senhor Ramalho, por tê-lo transposto para aqui

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  2. Sem duvida; um grande e verdadeiro poeta português. E ainda com a grandeza ( que só os grandes a têm) de pôr a mão na consciência e fazer autocrítica.

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