CEM
ANOS DA REVOLUÇÃO RUSSA:
OS MOTIVOS QUE LEVARAM A SUA ECLOSÃO
Este
artigo foi publicado no jornal Diário da Manhã de Goiânia, Goiás-Brasil em
20/10/2017, no caderno Opinião Pública, pg.7 Site do jornal: http://impresso.dm.com.br/
Um dos
poucos jornais no mundo que permite opinião dos leitores
Usado
a grafia do português do Brasil
Costuma-se analisar aquele
que foi considerado um dos maiores acontecimentos do século passado, apenas
pelas suas vastas consequências, principalmente por ter abalado todo o sistema
constituído então vigente. Com pouquíssima menção à origem, seja ela remota ou
contemporânea aos fatos da época que foi palco desta passagem histórica.
As consequências são por
demais conhecidas, com enorme material literário, mesmo até de ficção, uns
procurando atenuar a rudeza da realidade de sua implantação, outros procurando
romancear os atos mais perversos, na tentativa de atenua-los.
Neste artigo procurarei
narrar, depois de exaustivas pesquisas, as causas que deram origem a este episódio
histórico, ao contrário de que muitos pensam, que tenham sido frutos de decisões
momentâneas, eles tiveram motivações que vão das mais antigas até aquelas mais recentes,
conhecida como o pingo d’água que faltava
nesta metafórica avalanche registrada na linha do tempo.
Dentre as causas genéricas
e remotas foi sem dúvida a criação de textos impressos, graças ao alemão
Johannes Gutenberg, por ter desenvolvido um sistema mecânico de tipos
móveis(1436) que deu início à Revolução da Imprensa, e que é amplamente considerado o invento mais importante do segundo milênio, propiciando através de
livros, a disseminação de novas ideias.
Podemos
enquadrar ainda dentre as remotas, as guerras entre a Rússia e a Turquia
Otomana, uma chamada Guerra da Crimeia (1853-1856), onde os russos foram
fragorosamente derrotados, só conseguindo manter o domínio sobre a Crimeia
(desde 1783) à custa de grandes concessões territoriais nos Bálcãs. Outra (1877-1878), apesar de vitória russa, o
objetivo principal que era o controle da cidade de Istambul com seus
estratégicos estreitos, não foi alcançado pela interferência da Inglaterra e
França. Não ter conseguido a primazia sobre os estreitos de Bósforo e
Dardanelos, que era sonho centenário da elite imperial, pois permitiria o livre
acesso da frota russa ao mediterrâneo, foi realmente o começo do fim do sistema
imperial russo.
Novas
ideias econômicas sopradas pelo vento cultural através de publicações de livros
do alemão Karl Marx, filosofo, sociólogo, jornalista e revolucionário
socialista, alcançaram praticamente todo o mundo. A obra de Marx em economia
estabeleceu a base para muito do entendimento sobre o trabalho e sua relação
com o capital, além do pensamento econômico posterior. Ele publicou vários
livros durante sua vida, sendo que o
Manifesto Comunista (1848) e o Capital (1867-1894)
são os mais proeminentes. No meu entendimento estas ideias no papel,
literalmente são bastante procedentes, porque visam diminuir as chamadas
desigualdades sociais, mas na sua implantação, quando se leva em consideração o
fator humano com as suas imperfeiçoes e fraquezas morais, têm-se tornado
bastantes irrealistas. Sendo este, ao meu ver, o fracasso em alguns países que
a adotaram.
A Rússia passou
por uma onda de relativa liberdade estabelecida pelo grande Czar Alexandre II,
“O Libertador”, com reformas estruturais modernizantes no setor educacional e
cultural, com consequente afrouxamento na censura aos livros estrangeiros. Foi
aproveitando esta brecha que em março 1872, chegava ao país na secretaria do
censor, o livro, “O Capital”, com suas 674 páginas, com pronta aprovação. A
primeira publicação do livro fora da Alemanha, cuja primeira edição se deu 5
anos antes. A publicação do livro, em inglês, somente aconteceu após 15 anos da
publicação russa. A história atual do país registra que os censores, após
alguns meses, arrependidos de terem liberado a publicação do livro, forçaram o
editor a dissolver a editora.
O sistema
educacional do Alexandre II, na região do Volga tinha como executor um renomado
professor, pai daquele que mais tarde veio a ser a figura protuberante da
Revolução de 1917, Vladimir Ilyich Ulyanov, mais conhecido pelo pseudônimo
Lenin. O lar dos Ulyanovs era composto pelo pai (professor) a mãe (intelectual
com domínio em várias línguas estrangeiras), além de Lenin, o seu irmão mais
velho, Alexander, conhecido como Sasha, mais um irmão e três irmãs. Foi neste
lar liberal que os irmãos tomaram conhecimento do livro “O Capital”, logo abraçando
a ideologia ali pregada, o Lenin mais teórico e moderado, o Sasha, extremamente
exaltado.
Com o
assassinato do grande Alexandre II, assume o seu filho Alexandre III,
conservador ao extremo, anulou quase de imediato todas as reformas patrocinadas
pelo seu pai, trazendo grandes ressentimentos em várias camadas da sociedade. O
exaltado Sacha, químico por formação, foi acusado de fabricar uma bomba numa
tentativa de assassinar o novo Czar, sendo julgado e executado sem piedade.
Este fato
marcou toda vida de Lenin, que a partir deste episódio passou a não ser apenas
movido pela sua ideologia, mas pelo extremo ódio que nutria pela família
imperial. A ponto de, após vencer a revolução, dar ordem pessoal para execução
de toda família, numa medida desnecessária que aumentou a ira do Reino Unido,
por ser a Czarina sobrinha da rainha inglesa e esta já tinha oferecido asilo
aos familiares.
Para
conturbar mais a situação pré-revolução, morre subitamente o Czar Alexandre
III, assumindo o despreparado Nicolau II, pessoa confusa e indecisa, que não
estava à altura de governar o império. Logo enfrentando uma guerra com o Japão,
ao perder a disputa, perdeu também várias concessões imperiais na Ásia, fazendo
eclodir internamente como consequência, a chamada revolução de 1905,
violentamente reprimida pelas forças imperiais, mas resultando na aceitação
pelo Czar, da criação da Duma, uma espécie de parlamento, pondo assim, por
terra o poder absoluto do imperador. Esta revolução de 1905 foi considerada um
treino para a de 1917.
O período
que se sucedeu a revolução de 1905, ficou marcado, pelo aparecimento do místico
paranormal, Rasputin, dotado de um magnetismo pessoal sem precedentes na
história mundial; seus poderes eram usados na sedução de mulheres e para curas
de doenças até então incuráveis. Com o seu reconhecido natural poder hipnótico,
conseguia entancar as hemorragias sofridas pelo filho e sucessor do império. A
criança era acometida de uma doença crônica hereditária, chamada hemofilia, que
lhe trazia graves problemas de coagulação sanguínea. Isto trouxe ao então
denominado “bruxo”, enormes poderes perante a família real, contrariando sobremaneira
todos os segmentos da sociedade, desde o clero ortodoxo, componentes da corte e
o povo em geral. A situação ficou bastante agravada com sua nomeação para
conselheiro real e pelos boatos, não confirmados, que ele mantinha caso amoroso
com a Czarina.
Em julho
1914 estoura a primeira guerra mundial, é formado uma aliança entre a Alemanha,
Império austríaco e o Império Otomano (Turquia), do outro lado estavam
inicialmente os chamados aliados principais, Reino Unido e a França.
O Czar
Nicolau II tinha que tomar uma decisão: ou manter o império neutro ou se aliar a
um dos lados da perlenga. Os militares eram contra a entrada na guerra sob o
argumento de que as forças armadas estavam despreparadas, também era esta a
opinião esmagadora dos setores mais conscientes da nação.
O Czar
tomou a decisão de entrar na guerra com os aliados, decisão esta que veio a lhe
custar, um pouco mais tarde, o trono herdado de seus antepassados, com o fim da
presença da dinastia Romanov, que se sustentou por séculos na Rússia Imperial. Tal
medida foi fruto da diplomacia inglesa que prometeu ao Czar, e este se mostrou
seduzido, que as suas forças armadas teriam ajuda incondicional da Inglaterra,
prometendo ainda, em caso de vitória, o amplo domínio dos russos na cidade de
Istambul com seus estreitos, antigo sonho da estratégia russa. Existem nos
anais históricos que Nicolau II, deixou de ouvir o próprio Rasputin, que o teria
aconselhado a não entrar na guerra, sob pena do fim imperial.
Um fato
muito importante, para não dizer decisivo, pouco explorado pelos historiadores,
foi a fragorosa derrota da então invencível frota naval inglesa e aliados,
na batalha de Galípoli. A frota inglesa era comandada nada mais nada menos pelo
Winston Churchill, futuro herói da 2ª grande guerra. Esta
batalha na entrada do estreito de Dardanelos, visava neutralizar as forças
turcas e levar apoio as forças russas, que ficaram à mercê da própria sorte.
O
exército russo sem o esperado apoio dos ingleses entrou em debandada após
sucessivas derrotas no front, com constantes trocas na chefia militar, e
finalmente com comando direto do imperador, que ao continuar com seguidas e
sucessivas derrotas, foi obrigado a abdicar da sua condição de imperador,
passando o poder para o moderado Kerensky, no chamado governo provisório.
Outro
fato muito importante foi a entrada dos EEUU na guerra em 1917, engrossando as
fileiras dos aliados, motivando preocupação nas hostes alemãs, que agora
precisava de toda as tropas do front russo para proteção de seu lado ocidental.
Para isto necessitava urgente da retirada da Rússia da guerra, hipótese não
aceita por Kerensky. Na histórica reunião do estado maior alemão, alguém
sugeriu a possibilidade de financiar a derrubada do tumultuado governo
provisório, lembrando do nome do Lenin, que estava asilado na Suíça, como
pessoa talhada para esta iniciativa, por ele gozar de enorme prestigio nas camadas representativas
da sociedade.
Começou a
épica retirada de Lenin da Suíça para Rússia, feita através de composição
ferroviária blindada que misteriosamente atravessou todo cenário da guerra,
chegando à estação Finlândia nos arredores da então Petrogrado em abril de 1917,
não sendo confirmado se o referido comboio trazia a importância equivalente a
cerca de 10 milhões de dólares em ouro alemão para financiamento da revolução.
Por muito tempo a documentação desta viagem ficou escondida, na Alemanha, por
não querer receber a pecha de mãe da revolução, e, na Rússia, para não
transparecer que o movimento nasceu de alta traição, pois o líder recebeu ajuda
do inimigo em plena guerra. Recentemente, a historiadora inglesa Catherine
Merridale, lançou o livro, “Lenin on the Train”, onde menciona com muita
propriedade parte desta documentação. Este livro foi lançado em Portugal pela Editora
Temas e Debates-Círculos de Leitores, com 344 páginas, sob o título, “Lenine no
Comboio”, cujo exemplar farei uso em artigo que estou escrevendo sobre o
assunto.
A
tumultuada chegada de Lenin em abril de 1917, foi o estopim que faltava para
desencadear uma série de eventos que culminou em outubro do mesmo ano, com a
Revolução que abalou o mundo, cujas consequências são sentidas até hoje.
Atualmente ainda continua sem definição, a polêmica sobre a propalada ostensiva
ajuda alemã à revolução russa, que tem sido, ao longo do tempo, negada
veementemente pelas duas nações. O certo é que a condição principal, que era
retirada da Rússia do litígio, foi uma das primeiras medidas do governo
revolucionário. A consumação deste acordo em separado dos antigos aliados foi
feito através do Tratado de Brest-Litovski,
onde, além de sair da guerra, abria-se mão de extensas áreas territoriais por
imposição da Alemanha. Lenin sempre considerou este Tratado muito humilhante
para seu país, embora o achasse necessário para a conjuntura em que ele foi
celebrado.
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