terça-feira, 31 de outubro de 2017

Das artes e manhas dos povos

Ouvi uma vez, na minha aldeia, um pregador contar uma história fascinante acerca de como era possível, noutros tempos, uma comunidade inteira guardar segredo numa questão que a todos dizia respeito e todos responsabilizava por igual.

Havia na igreja de determinada aldeia uma imagem da padroeira da terra que era mesmo muito feia; tendo ido para lá um novo pároco, este ia dizendo, à sua maneira, às pessoas que mais de perto lidavam com ele, que nunca em toda a sua vida de padre tinha visto fosse onde fosse uma “santa” tão feia!

Só que os elementos da Comissão Fabriqueira, embora também concordassem com o pároco, não encaravam sequer uma possibilidade de se desfazerem daquela imagem, porque havia nela um mistério que ninguém sabia bem explicar e que já vinha de tempos muito recuados, que a população nunca aceitaria que fosse trocada por outra.

Todavia, este paciente e persistente padre não se deu por vencido e nunca deixou de “ruminar” uma forma expedita de ver-se livre daquele “mono” sem criar atritos com os paroquianos; e quando se preparava a festa da padroeira, conluiado com a rapaziada que transportaria o andor, acertou com eles que, quando passassem na parte mais difícil e pedregosa do trajecto, um deles simularia torcer um pé e deixaria descaír um pouco o andor, de forma que a imagem se escaqueirasse no chão...

Tendo corrido tudo como planeado, quando a imagem caíu e a carapaça de barro mal esculpido se partiu em mil pedaços, surgiu àquela multidão de boca aberta uma belíssima imagem em metais preciosos, que para proteger da cobiça dos ladrões os antepassados haviam achado por bem mascarar daquela forma.

Amândio G. Martins



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