Das artes e manhas dos povos
Ouvi uma vez, na minha aldeia, um pregador contar uma
história fascinante acerca de como era possível, noutros tempos, uma comunidade
inteira guardar segredo numa questão que a todos dizia respeito e todos
responsabilizava por igual.
Havia na igreja de determinada aldeia uma imagem da
padroeira da terra que era mesmo muito feia; tendo ido para lá um novo pároco,
este ia dizendo, à sua maneira, às pessoas que mais de perto lidavam com ele,
que nunca em toda a sua vida de padre tinha visto fosse onde fosse uma “santa”
tão feia!
Só que os elementos da Comissão Fabriqueira, embora também
concordassem com o pároco, não encaravam sequer uma possibilidade de se
desfazerem daquela imagem, porque havia nela um mistério que ninguém sabia bem
explicar e que já vinha de tempos muito recuados, que a população nunca
aceitaria que fosse trocada por outra.
Todavia, este paciente e persistente padre não se deu por
vencido e nunca deixou de “ruminar” uma forma expedita de ver-se livre daquele
“mono” sem criar atritos com os paroquianos; e quando se preparava a festa da
padroeira, conluiado com a rapaziada que transportaria o andor, acertou com
eles que, quando passassem na parte mais difícil e pedregosa do trajecto, um
deles simularia torcer um pé e deixaria descaír um pouco o andor, de forma que
a imagem se escaqueirasse no chão...
Tendo corrido tudo como planeado, quando a imagem caíu e a
carapaça de barro mal esculpido se partiu em mil pedaços, surgiu àquela
multidão de boca aberta uma belíssima imagem em metais preciosos, que para
proteger da cobiça dos ladrões os antepassados haviam achado por bem mascarar
daquela forma.
Amândio G. Martins
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