Mais
um ano de medos mais ou menos objectivos. Medo das prestações (da casa, do
carro, do plasma, das férias); medo do fim do mês, medo da fome, medo do
desemprego, medo pelo trabalho (que, na precariedade, se pode perder), medo do
trabalho (de não se aguentar a sobreintensificação e a exaustão), medo no
trabalho (onde pode surgir a doença e até a morte ou onde, pela precariedade e
o desemprego “cá fora”, pode haver quem nos “rentabilize” pelo medo); medo da
reforma (pela solidão e ostracismo); medo na reforma (pela carência económica e
de apoios sociais); medo pela reforma (que, na velhice, pode já não existir).
Enfim, existe medo.
Contra
estes e outros medos que existem, não falta por aí quem nos sugira “paciência”
e “resiliência” e, assim, insidiosamente, poder insinuar-se-nos a resignação, a
anomia, o conformismo.
E,
daí, subrepticiamente, o medo de contestar, o medo de se manifestar, o medo de
ser sindicalizado, o medo de fazer greve, e, até, quiçá, o medo de votar (e ser
enganado). Em síntese, o medo de exercer os direitos, o medo da cidadania, o
medo da democracia e, assim, o medo de falar, o medo de pensar, e, até, mais do
que os medos objectivos, o “medo sem objecto”, o medo incorporado”, o medo de
viver, o medo de ser, o “medo de existir”.
“O
duplo-esmagamento está em curso, apaga-se o medo com o medo, todos os medos
antigos que o 25 de Abril não exorcizou desaparecem quando neles se enxerta o
medo da exclusão, tanto mais incompreensível quando ele surge numa sociedade
livre, democrática, que se edificou contra o antigo regime autoritário.” (José
Gil - Portugal, Hoje. O Medo de Existir).
Alexandre
O’Neill (O Poema Pouco Original do Medo)
avisa-nos: “(...) Ah o medo vai ter tudo / tudo / (Penso no que o medo vai ter
/ e tenho medo / que é justamente / o que o medo quer) / O medo vai ter tudo /
quase tudo / e cada um por seu caminho / havemos de chegar / quase todos / a
ratos / Sim / a ratos”.
Sugestão
de Umberto Eco (O Nome da Rosa): “É
sempre melhor que quem nos incute medo tenha mais medo do que nós". É isso!
Meter medo ao medo.
Neste
Novo Ano, perante o “medo de existir”, a solução é óbvia:
existir. Existir mesmo. Contra o(s) medo(s) que existe(m).
João
Fraga de Oliveira
(Público,
3/1/2015 – página 41)
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