sábado, 10 de janeiro de 2015

Os caminhos de Santiago no concelho de Torre de Moncorvo

É um tema, que se procura leve, mas que me parece interessante, que pode dar pistas para uma rota turística e cultural do nosso concelho e que se enquadra perfeitamente no tema deste Encontro, uma vez que é precisamente na Idade Média que estas rotas de peregrinos atingiram o seu auge.
            Ao contrário do que se possa pensar, o Homem Medieval era um grande viajante. Viajava por razões económicas, políticas e também religiosas. Havia 3 pontos fundamentais para onde viajava por razões religiosas: Terra Santa; Roma (centro da Cristandade) e SANTIAGO DE COMPOSTELA, onde, segundo a tradição se encontravam os restos mortais do Apóstolo Tiago (Iago, Tiago, Jacobus, Jacques).
            Na Europa, sobretudo na Inglaterra, França e Península Ibérica, viajava-se sobretudo para Santiago, para onde apontava a Via Láctea, também chamada de Estrada de Santiago.
            Também passavam, como veremos, por Moncorvo esses Caminhos.
            É um convite que lhes faço, para virem comigo, à descoberta desses caminhos perdidos, por velhas estradas romanas pelos caminhos medievais “Já não movidos pelas indulgências papais  mas por um estranho e persistente impulso de tentar compreender como nesse enorme cadinho de povos e culturas se gerou, afinal, a Europa Moderna”. É um caminho, por terras transmontanas, em busca de sinais de outros tempos, de memórias do culto jacobita, de estradas e pontes romanas e medievais, de ermidas românicas, do romanceiro popular, como a lenda da Cabeça Santa da capela da Nossa Senhora da Teixeira”.
            Peço-lhes que peguem no bordão de romeiro, calcem umas sandálias, ou modernamente uns ténis, numa mochila e me acompanhem, por estes velhos caminhos poeirentos, mas tão cheios de História. Vamos viajar pelo passado, descobrir velhas pedras, cruzeiros ou igrejas alcandoradas no alto de montes.
            Peguemos na mochila e partamos.

HISTÓRIA

II

            Antes de partir, vejamos como é a História de Santiago de Compostela e como se formou o seu mito.
“Um dia, talvez no ano 814, um bispo e o seu rei desencadearam, ao anunciarem a «descoberta» dos restos mortais do apóstolo Tiago Maior, no noroeste da Península Ibérica, um movimento de homens e mulheres que cruzou montanhas, construiu pontes e catedrais e acabou por moldar a Europa. Hoje, essa notícia teria levado segundos a chegar a todo o mundo. Na época, demorou anos, a atravessar os Pirenéus. De modo que, só em meados do século X o movimento tomou forma e se estruturou, começando então a definir-se, pela mão dos Beneditinos de Cluny, as vias seguras do percurso. 1131  é o ano de um marco decisivo: o clérigo francês Aymeric Picaud entrega na catedral compostelana uma cópia do Códice Calistino que contém o primeiro Guia da peregrinação. Este guia, o Liber Sancti Jacobi é, de facto, o primeiro guia turístico da história da humanidade. Depois, calcula-se que nos séculos XII, XIII e XIV, meio milhão de pessoas  cruzou anualmente os caminhos da Península, rumo a Compostela”.
                        De quem está verdadeiramente enterrado em Compostela, muito se tem falado, e continuará a falar, por certo. Sabe-se que SANTIAGO morreu na Palestina, sendo, por tanto quase impossível ser o seu corpo o que se venera na Galiza. Diz a lenda que o seu corpo foi metido numa barca sem remos e sem velas (lenda tipicamente Celta) e veio para às costas da Galiza. Daí foi levado para o local da actual catedral compostelana e (por causa das guerras) enterrado, ter-se-ia perdido a sua memória. Só no ano de 814 (possivelmente) foi encontrado e deram ao seu corpo sepultura condigna. Será lenda o facto de aquele corpo ser o de Tiago Maior? Assim o acreditamos uma vez que aquele local é um local de culto que já vem da Pré-História! De quem será então aquele corpo? Muito possivelmente de Prisciliano, bispo galego que foi uma figura mítica e que pregou uma dita “heresia”.
            O seu nome “Compostela” será composto por Campus Stelae, ou seja campo da estrela e estaria ligado a cultos pré-históricos, que teriam prosseguido no paganismo e depois foi “cristianizado”, como aconteceu a tantos outros locais de culto ancestrais.
Mas avancemos.
Também por aqui passavam, como iremos ver, esses caminhos rumo a Compostela. Em Bragança, deve destacar-se a acção de apoio aos peregrinos do Mosteiro de Castro de Avelãs. Torre de Moncorvo possuía vários hospitais e estalagens de apoio aos peregrinos de Compostela. Vamos ver agora, por onde passavam esses caminhos. Antes de entrarmos nos percursos devemos ter a consciência que estes caminhos que por aqui passavam eram caminhos secundários. O principal caminho português era junto ao litoral: vinha do sul, pelas vias romanas, Porto, Ponte de Lima, Tui, Santiago. Em Trás-os-Montes, eram caminhos secundários (têm também muita importância, mas eram secundários), sendo Bragança, mas sobretudo Chaves o grande centro de afluência dos vários caminhos.
Iremos ver que na nossa região do Nordeste Transmontano passavam alguns caminhos importantes (embora, no âmbito peninsular secundários) e havia uma rede “capilar” de inúmeros itinerários que percorriam lugarejos, uma vez que as peregrinações se faziam a pé, os caminhos eram encortados por desvios e atalhos), de todos falaremos.
Neste trabalho iremos falar, como já disse, exclusivamente nos caminhos de Santiago que passavam pelo concelho de Torre de Moncorvo.     
    Esses caminhos eram os velhos caminhos romanos e medievais.
                 
PERCURSOS

III

            O percurso mais importante (no âmbito deste nosso estudo) era o que saía de Castelo Rodrigo.
            CASTELO RODRIGO – (Grande centro de confluência de várias vias) Onde se venera (muito signitivamente) Nossa Senhora de ROCAMADOR, existe uma pequena imagem de Santiago Matamouro (A cavalo) de madeira representando Santiago trajando à época do século XVIII. No púlpito da igreja românica de Nossa Senhora de Rocamador está esculpido um escudo e uma vieira, símbolo da peregrinação compostelana. Castelo Rodrigo era um medieval importante de passagem de peregrinos, com velhos caminhos medievais. Aqui é onde verdadeiramente termina a Beira  Alta e começa Trá-os-Montes. Há uma explicação para que as gentes de Castelo Rodrigo sejam tão devotas de Santiago. È que esta região foi repovoada (pelo rei leonês, na época da reconquista) por gentes trazidas da Galiza. Como a testemunhar esta ascendência galega, ainda existe um dialecto local, derivado do galego. Descendo de Castelo Rodrigo, entramos em Figueira de Castelo Rodrigo( actualmente sede do concelho desde 1836), Aqui o caminho bifurca-se, dando rigem a dois caminhos (um por Almendra, Castelo Melhor, em direcção a Vila Nova de Foz Côa; um segundo, por Escalhão, Barca de Alva, em direcção a Freixo de Espada à Cinta). Vamos pelo primeiro, que é o que nos interessa.
Figueira de Castelo Rodrigo – Almendra- Castelo Melhor – Vila Nova de Foz Côa (A capital da amendoeira em flor. No largo principal da vila (hoje cidade) existe um pelourinho quinhentista em granito, de fuste quadrangular, sustentado por quatro degraus e no qual se pode ver esculpida uma fiada de vieiras em relevo. É uma das poucas referências aos caminhos de Santiago existentes na povoação, a que D. Dinis outorgou foral em 1292. De Vila Nova de Foz Côa – Pocinho – passava-se o Douro por uma barca e entrava-se em Trás-os-Montes, do Pocinho, Moncorvo.
Até ao século XIX, Moncorvo teve como orago Santiago. Em Moncorvo existia uma Igreja dedicada a Santiago (hoje desaparecida, encontrava-se no local onde se encontra o actual cemitério) e ainda hoje tem a Fonte de Santiago (onde os peregrinos bebiam) e uma rua de Santiago, por onde vinham os peregrinos. Por onde seguiam os peregrinos, a partir de Moncorvo? Não foi ainda feito um estudo profundo que nos tenha definido esse percurso com precisão “ Sabe-se, no entanto, que havia um caminho medieval, que vinha do Pocinho (passagem na barca do Pocinho), Moncorvo, e ia por Carviçais, Mós (concelho medieval), por Mogadouro, Duas Igrejas e Miranda. “O Pocinho, como diziao rei D. Fernando era «o melhor porto e mais chão e seguro que há, desde a nossa cidade do Porto à de Miranda». No seu estudo sobre as vias portuguesas de peregrinação a Santiago de Compostela, publicado em 1986, Baquero Moreno, refere a existência de diversas estalagens medievais em Torre de Moncorvo e Freixo de Espada à Cinta. E mais adiante afirma: «Vai ser precisamente nas áreas regionais de Lamego e Riba-Côa, onde se observa a maior concentração de estalagens de todo o país»        
            Mas, prossigamos o nosso caminho. Moncorvo – Vale da Vilariça (Vila velha de Santa Cruz da Vilariça «a derruída» e igreja românica recentemente posta a descoberto pelo Projecto Arqueológici Para a Região de Moncorvo PARM. Depois ADEGANHA (Igreja românica do século XII-XIII) cujo orago é Santiago Maior. Daí seguia-se ou por Alfândega, ou por Mogadouro (Santo Antão da Barca), já fora do nosso concelho.
            As barcas  eram extremamente importantes para estes caminhos medievais. Só para terem uma ideia, na nossa zona havia as seguintes barcas Ique marcavam os caminhos): Barca do Saltinho (para Freixo de Espada à Cinta); Barca de Alva; Barca de Almendra; Barca do Côa (Junto à Foz do Côa); Barca do Pocinho; Barca Velha (Rego da Barca); Barca de Saião (que dá para a Lousa), Barca de Cilhades (de e para Ageganha) e ainda Santo Antão da Barca (Parada, Alfândega da Fé), para além de inúmeras outras barcas de menor importância.
            Falamos deste percurso mais importante. Depois há outros de menor importância, no concelho de Moncorvo, as tais redes capilares, que apenas vou inumerar, para não me tornar muito longo.
            Barca de Alva, Ligares, Maçores, Açoreira (capela de N.S. da Teixeira, lenda da cabeça Santa), Feigueira e Moncorvo. Depois, Vale da Vilariça, Adeganha....
            PARA CARVIÇAIS – Quinta de Santiago – Mós (concelho medieval)- quita dos Questelos – Santo Antão da Barca – Parada – Vilar Seco – Castro Vicente – Lagoa – Morais – Gralhós – Izeda – Bragança ....
            DE CARVIÇAIS PARA ALFÂNDEGA – Carviçais – Quita dos Barrais – Quinta de São Gonçalo – Crejais – Alfândega...ou por Carviçais – quinta de S. Gonçalo – Quinta Branca – Picões – Ferradosa – Sendim da Serra – S. Bernardino e Alfâandega...
A PARTIR DA FOZ DO SABOR. Na foz do Sabor, havia uma barca de passagem. Depois seguia-se por CABANAS DE BAIXO, Cabanas de Cima – Eiras da Horta – Quinta do Ataíde – Junqueira (antiga freguesia com Santiago por orago) – Senhora da Rosa e Lodões (freguesia de Santiago) a partir daqui por, Santa Comba da Vilariça – Burga – Bornes...

DO POCINHO – Quinta do campo- Rego da Barca (Passava-se depois a a ribeira da Vilariça em barca) – Quinta do Carvalhal – Carrascal – (passando de novo a ribeira da Vilariça mas agora em poldraS RUMO À QUINTA DE ZIMBRO – Junqueiro – Lodões – Vale Frechoso – Vale da Sancha –S. Salvador – Mirandela...
            Finalmente, Atravessando o Douro junto da Foz do rio Sabor, onde existia uma barca de passagem, subia-se depois por Cabanas de Baixo e de Cima, Horta da Vilariça – Pala do Conde – Capela de S.ta Cruz – Arieiro – Nabo (S. Gonçalo, orago) – Daí a Vila Flor...
            Resta acrescentar que o Culto a S. Gonçalo (costructor de pontes e calçadas) e também o de S. Cristovão (protector dos viajantes) andam associados ao de Santiago.
            Esperemos que tenha despertado o vosso interesse pelos caminhos de Santiago e que tenha contribuído para que de futuro a Câmara Municipal de Torre de Moncorvo, e outras do Nordeste Transmontano) constituam rotas culturais de Santiago e atraiam mais turistas à nossa terra.

                                               






2 comentários:

  1. Embora viva no litoral, conheço Torre de Moncorvo, que me deixou encantado. Mas agora estou a fazer um estudo para o qual precisava de alguns dados que só um morador que se desloca pelo concelho me poderá fornecer. É que estou às voltas com um estudo (já feito e publicado mas que gostaria de completar)sobre a viagem do Arcebispo D. Frei Bartolomeu dos Mártires à Itália e ao seu regresso. Mas quanto ao regresso apenas sabemos que entrou pelo concelho de Espada à Cinta e que passou em Amarante. Haverá alguém que me possa sugerir um caminho que possa ter sido seguido entre Freixo, ou Barca de Alva, e Torre de Moncorvo. A viagem era normalmente feita a cavalo, embora se utilizasse o barco na travessia do rio e eventualmente se pudesse fazer de barco algum percurso no mesmo rio, se fosse navegável. Terei todo o gosto em oferecer a separata do estudo já publicado (e do que eventualmente vier a publicar) a quem me der alguma informação útil. Obrigado.

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  2. Para me contactar: antoniomatosreis@gmail.com

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